segunda-feira, março 25, 2013

Chá da tarde


Florence caminhava por um longo corredor, saindo da cozinha. Sua casa decorada delicadamente com paredes em tons de salmão e rosa, móveis antigos e diversos quadros com fotografias e, juntamente com seu vestido azul bebê acinturado, pouco acima dos joelhos, salto meia pata e o cabelo cor de mel com graciosas ondas, faziam de Florence a exata imagem de uma Barbie em sua casa dos sonhos, e o perfeito equilíbrio entre a ingenuidade e o sensual.

Equilibrava uma bandeja branca com xícaras, pires, pequenas colheres e um açucareiro, que depositou na mesinha de centro da sala de estar. Suas duas únicas e raras convidadas esticaram o braço para pegar cada uma sua xícara. Era quase engraçado terem se tornado amigas (ou seria apenas algo próximo a isso?), tendo em mente suas diferenças.

Kallisto, com a pele clara como a neve constrastando com os cabelos escuros, negou educadamente quando lhe foi oferecido o açúcar. Preferia seu chá um pouco como ela: sem aquela doçura tão óbvia como a de Florence. Era tímida e fechada, talvez até um pouco melancólica. Lyra, por sua vez, acrescentou generosas colheiradas em seu café. Se não fosse por pequenos traços em sua personalidade, qualquer um poderia dizer que se tratava de uma criança presa no corpo de qualquer outra garota mais velha,  e o cabelo ondulado e rebelde e os olhos cinzentos e brilhantes como estrelas apenas contribuiam com essa teoria, assim como o incrível dom de ver a felicidade nas pequenas coisas. Ah, como Florence e Kallisto gostariam de ser assim! Jamais poderiam, porém. Lyra era paradoxal demais para que qualquer outra pessoa um dia chegasse a se igualar a ela.

O sorriso de Florence se alargava mais a cada detalhe observado, por mais simples que fosse. Nunca poderia ser feliz como Lyra, mas nenhuma das outras duas conseguiriam algum dia se igualarem a ela, uma vez que sua felicidade se encontrava apenas na dos outros, ainda que “os outros” fizessem parte de um livro de romance – seus preferidos. 

As desavenças eram constantes, mas como poderiam não ser, sendo elas tão diferentes como eram? Discutiam algumas vezes, de modos tão diferentes quanto seus costumes. Florence tentava ao máximo colocar juízo na cabeça de Lyra, com palavras que, para qualquer outra pessoa, soaria suave, talvez quase engraçada. Em sua cabeça, porém, não poderia ter dito palavras de nível mais baixo. Lyra sempre sabia quando estava errada, mas nunca pediria desculpas. A palavra era praticamente desconhecida em seu vocabulário, regado de ironia e sarcasmo.

Não havia uma só discussão em que ela não estivesse no meio, embora tentasse ao máximo controlar-se para não se envolver em uma só que fosse. Era difícil lidar com sua personalidade impulsiva, no entanto. Nesses momentos, a sensata era sempre Kallisto, fria o suficiente para analisar a situação de todos os ângulos possíveis e achar a melhor solução.

Para evitar situações como essa, pouco conversavam, quando se viam. Apenas falavam, e ouviam. Talvez seja isso que as ligue, afinal. Diferentes em tudo, mas iguais o suficiente para estarem sempre dispostas a ajudar uma a outra. Todas tinham seus próprios escapes – normalmente apenas cartas endereçadas a Ninguém, ou jogadas ao vento –, mas também precisavam de companhia. Até mesmo Kallisto, a mais solitária das três.

A tarde quase chegava ao fim quando finalmente se despediram. Mais uma vez, conversas não eram necessárias. Só um pequeno sorriso, mesmo que tímido, era o suficiente para saberem que nunca estavam sós.

2 comentários:

  1. "A tarde quase chegava ao fim quando finalmente se despediram. Mais uma vez, conversas não eram necessárias. Só um pequeno sorriso, mesmo que tímido, era o suficiente para saberem que nunca estavam sós."

    Que lindo! Eu gosto das três, mas tenho vontade de conhecer mais delas, sabe? É o que sua narrativa faz, prende e nos obriga a ler e a querer mais e a ler e desejar mais, mesmo que não tenha.

    Ou seja, só existe uma solução: escreva

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  2. Primeiramente, [2] na DIne.

    Segundamente(-q), Kallisto *-*

    Eu realmente adorei essa interpretação de compania. As vezes só queremos estar sozinhos, outras apenas estar juntos basta e você conseguiu juntar ambos os sentimentos em uma mesma ação. Admiravel, mana(-q)

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