quinta-feira, março 28, 2013

Mon étoile éternelle


23:40

Andava calmamente pelas ruas do centro da cidade, tão conhecida por mim. O frio da noite era cortante, mas não era isso que mais me incomodava. Era tarde, e poucas eram as lojas que ainda estavam abertas. A floricultura era uma das excessões e, ao passar por lá, comprei um buquê. Sempre achei engraçado você gostar de flores, ao contrário de mim; sempre as achei sem graça. Acho que acertei em comprar cravos vermelhos, pareciam ser suas preferidas. As lembranças me assolavam, e senti vontade de chorar, mas me controlei.

23:55

Você se lembra de como era quando estávamos juntos? Sempre pensamos que nunca fosse acabar. De fato, nunca acabou, nem vai acabar, não de verdade. Me lembro de cada noite que passamos em claro, falando sobre amenidades e olhando para as estrelas. As lágrimas voltaram a encher meus olhos. Tinha que ser forte.

23:59

Agora tudo parece tão surreal, como um passado distante, ou uma fantasia que nunca se tornou realidade. Se lembra de quando víamos aviões, e pensávamos ser estrelas? Sempre soubemos que os desejos nunca iriam se realizar, afinal, não eram estrelas de verdade, mas era divertido, não é mesmo? Costumávamos dizer que nada poderia nos separar, uma vez que nem mesmo as estrelas podem separar o céu. Oh, nem mesmo sei porque me pergunto, é claro que não se lembra de nenhuma dessas coisas. A primeira de muitas lágrimas caiu, mas não me preocupei em secá-la, era inútil.

00:00

Meia-noite. Doze de junho, dia dos namorados. Há dois anos, você se declarou pra mim. Há dois anos, aceitei ser sua namorada. Há um ano, você me deixou.
Interrompi os pensamentos quando passei pelos portões prateados que atravessava quase toda semana. O lugar em si não me fazia bem, mas sua presença me acalmava. Minha força de vontade se renovou, como sempre acontecia quando te via, e sequei minhas lágrimas. Coloquei as flores no seu túmulo, ao lado de um pequeno porta-retrato com sua foto. Nunca esquecerei seu sorriso, tenho certeza. De onde você está agora, em meio às estrelas que tanto admiramos, me diga: você ainda sorri, por saber que de fato nada físico pôde nos separar? É uma pena que eu nunca poderei saber a resposta.
 Feliz dia dos namorados.

segunda-feira, março 25, 2013

Chá da tarde


Florence caminhava por um longo corredor, saindo da cozinha. Sua casa decorada delicadamente com paredes em tons de salmão e rosa, móveis antigos e diversos quadros com fotografias e, juntamente com seu vestido azul bebê acinturado, pouco acima dos joelhos, salto meia pata e o cabelo cor de mel com graciosas ondas, faziam de Florence a exata imagem de uma Barbie em sua casa dos sonhos, e o perfeito equilíbrio entre a ingenuidade e o sensual.

Equilibrava uma bandeja branca com xícaras, pires, pequenas colheres e um açucareiro, que depositou na mesinha de centro da sala de estar. Suas duas únicas e raras convidadas esticaram o braço para pegar cada uma sua xícara. Era quase engraçado terem se tornado amigas (ou seria apenas algo próximo a isso?), tendo em mente suas diferenças.

Kallisto, com a pele clara como a neve constrastando com os cabelos escuros, negou educadamente quando lhe foi oferecido o açúcar. Preferia seu chá um pouco como ela: sem aquela doçura tão óbvia como a de Florence. Era tímida e fechada, talvez até um pouco melancólica. Lyra, por sua vez, acrescentou generosas colheiradas em seu café. Se não fosse por pequenos traços em sua personalidade, qualquer um poderia dizer que se tratava de uma criança presa no corpo de qualquer outra garota mais velha,  e o cabelo ondulado e rebelde e os olhos cinzentos e brilhantes como estrelas apenas contribuiam com essa teoria, assim como o incrível dom de ver a felicidade nas pequenas coisas. Ah, como Florence e Kallisto gostariam de ser assim! Jamais poderiam, porém. Lyra era paradoxal demais para que qualquer outra pessoa um dia chegasse a se igualar a ela.

O sorriso de Florence se alargava mais a cada detalhe observado, por mais simples que fosse. Nunca poderia ser feliz como Lyra, mas nenhuma das outras duas conseguiriam algum dia se igualarem a ela, uma vez que sua felicidade se encontrava apenas na dos outros, ainda que “os outros” fizessem parte de um livro de romance – seus preferidos. 

As desavenças eram constantes, mas como poderiam não ser, sendo elas tão diferentes como eram? Discutiam algumas vezes, de modos tão diferentes quanto seus costumes. Florence tentava ao máximo colocar juízo na cabeça de Lyra, com palavras que, para qualquer outra pessoa, soaria suave, talvez quase engraçada. Em sua cabeça, porém, não poderia ter dito palavras de nível mais baixo. Lyra sempre sabia quando estava errada, mas nunca pediria desculpas. A palavra era praticamente desconhecida em seu vocabulário, regado de ironia e sarcasmo.

Não havia uma só discussão em que ela não estivesse no meio, embora tentasse ao máximo controlar-se para não se envolver em uma só que fosse. Era difícil lidar com sua personalidade impulsiva, no entanto. Nesses momentos, a sensata era sempre Kallisto, fria o suficiente para analisar a situação de todos os ângulos possíveis e achar a melhor solução.

Para evitar situações como essa, pouco conversavam, quando se viam. Apenas falavam, e ouviam. Talvez seja isso que as ligue, afinal. Diferentes em tudo, mas iguais o suficiente para estarem sempre dispostas a ajudar uma a outra. Todas tinham seus próprios escapes – normalmente apenas cartas endereçadas a Ninguém, ou jogadas ao vento –, mas também precisavam de companhia. Até mesmo Kallisto, a mais solitária das três.

A tarde quase chegava ao fim quando finalmente se despediram. Mais uma vez, conversas não eram necessárias. Só um pequeno sorriso, mesmo que tímido, era o suficiente para saberem que nunca estavam sós.

quinta-feira, março 07, 2013

(de)Gradação


A história tem início,
com todas suas cores a negrejar
Como um pesadelo infinito,
sem hora para acabar

Do sol, possuía o esplendor
Era tão óbvia sua cor!
Sorriso no rosto, flores na mão,
Alegria marota, leveza no coração

Menina-ocre, antiga amarelo
O que aconteceu?
É bem simples:
Viu desmoronar seu castelo.

Paradoxo esquecido
Observador
Falante, calmo, constante
Porém incolor

Tem surtos de tristeza,
o sorriso se apagou
Pequena descolorida
Sua cor está apodrecida

A escuridão agora é contínua,
todas as cores tem um fim
Sua personalidade tão ambígua
resolve desistir, enfim

Não sabe como se controlar
O desejo a consome
Abrem-se os olhos
E então tudo some.