sábado, maio 31, 2014

Das coisas que eu ainda odeio em você


Odeio esse seu sorriso torto
E como ele nunca é pra mim
Também confesso meu desconforto
Quando duvido dos motivos dele existir

Detesto seu olhar perdido
Simplesmente por querer encontrá-lo
E saber tudo que podia ser sentido
Tanto por mim, quanto por ti

Odeio essa sua indecisão
Porque de paradoxo já basta eu
Diga-me logo, sim ou não?
Cansei de não saber

Odeio tudo isso e muito mais
No fundo, amo tanto quanto odeio
(só não admitirei jamais!)
Ao menos, não em voz alta

Das coisas que eu odiava em você
Odeio em mim também
Acho que não é clichê
Mas nem quero mais saber

Parte de mim ainda tenta entender
Repasso tudo o que houve
Em vez de tentar esquecer
Quanta estupidez!

Não sei sobre o futuro
E já tentei esquecer o passado
Mas não consegui, eu juro
Só tenho uma certeza

Ainda não teve um final
Não sei como ele será
E nem qual seria o ideal
Cansei de adivinhar, um dia saberei

Assim como ouvi dizer,
Uma vez em uma canção,
“Então vamos viver
E um dia a gente se encontra”

domingo, maio 18, 2014

Querida Raine



Dessa vez não me demorarei muito, ou ao menos não pretendo. Nem mesmo sei se chegarei a te enviar essa carta, um dia. Ao menos no momento, não é nada mais do que um desabafo meu. Você sabe que falar sozinha nunca me pareceu uma declaração de loucura, mas isso não está mais funcionando comigo. Enquanto falo comigo mesma, meus pensamentos apenas se embolam ainda mais.

Sabe, sinto que as coisas continuam mudando. E rápido. Mesmo assim, quando paro e olho ao meu redor, tudo parece desesperadoramente igual. Isso, na verdade, acho que só prova o quanto mudei; desde quando mudanças me parecem necessárias, e não assustadoras?

Cheguei a um ponto em que não sei mais o que me faz bem. Gostaria de falar mais contigo, mas nossa facilidade para manter uma conversa parece estar se esvaindo pouco a pouco, bem como com Sophie. É claro que isso não quer dizer que gosto de vocês com menos intensidade do que gostava antes, mas é um fato perturbador. Acho que nem mesmo te contei de Charlie, não é mesmo? Só prova o quanto nos afastamos. Bem, não importa, eu não deveria mais falar sobre ele ou tudo que o envolve.

Lembra-se de como costumávamos olhar o céu, durante a noite? Era minha terapia favorita, junto com as cores. Hoje em dia, porém, não funciona tão bem assim, e te juro, me parte o coração admitir isso. É claro que nem tudo mudou completamente. Sempre terei as estrelas, e as estrelas sempre terão a mim. Mas não é como antes.

E, em meio às minhas preocupações sobre mudanças – ou a ausência delas –, ainda me pergunto se sou anil. Pode rir, e eu também riria, se para mim não fosse tão trágico. Mas, entenda: ao me perguntar isso, me pergunto se eu mesma mudei tanto assim. Quero dizer, tudo isso são apenas mudanças bobas ou minha essência também mudou? É difícil dizer tudo que ficou para trás. Acho que, aos poucos, nos esquecemos dos detalhes do que tínhamos ou de quem éramos.

Está vendo? Fiz mais uma vez. Disse que não ia me demorar muito, mas aqui estou, com outra carta mais longa que o necessário. Pelo menos isso tenho certeza de que não mudou. Desculpe-me, acho que vou parar por aqui. Inclusive, algo que reparei mudar em mim: eu não sinto. Não como antes. Ainda não decidi se isso é bom, mas ao passo em que antigamente eu sentia demais, hoje sinto de menos, durante a maior parte do tempo. É claro que isso talvez seja só influencia de Kallisto, afinal, você sabe que eu sempre acreditei que as manias de outras pessoas são tão contagiosas quanto doenças. Mas acho que você não poderia concordar ou descordar, uma vez que também não conhece Kallisto…

Ainda não me decidi se lhe mandarei ou não esta carta mas, por via das dúvidas: é bom falar contigo de novo, e espero que não se importe com o desabafo mal contido e mal explicado. Quem sabe podemos conversar melhor qualquer dia desses? Continuo sentindo sua falta. E, por favor, cuide-se, sim? Eu cuidaria de você, se pudesse, mas no momento mal posso cuidar de mim.


Daquela que ainda não se adaptou às mudanças,

Lyra

quarta-feira, maio 14, 2014

Sobre a morte que nos separa


— É engraçado como as coisas mudam em tão pouco tempo, né, irmão? — O garoto comentou, sozinho, e em voz baixa. — Há alguns meses, tudo era tão diferente. Uma pena que as coisas não deram certo.

Ele parou, esperando uma resposta que não veio. Tudo estava no mais perfeito silêncio, e se não fosse por ele e pelo ritmo constante de sua respiração, tudo estaria como se congelado no tempo. Nem mesmo o vento – no momento inexistente – movia as folhas das várias árvores ali.

O jovem não devia ter mais de 17 anos, mas algo em sua expressão indicava que ele entendesse da vida como um adulto. Talvez ele só tivesse a sorte de parecer mais maduro do que era, ou talvez a vida tivesse o obrigado a ver as coisas de forma mais realista. Uma pena que nem sempre aprendemos a viver no tempo certo. Às vezes, aprendemos mais rápido do que deveríamos.

— Sinto sua falta. — Ele confessou, em voz baixa.
— Eu sinto, também. — A voz feminina ecoou ali perto, tão baixa quanto um sussurro, mas, mesmo assim, ele se sobressaltou.

A menina estava encostada numa das árvores mais altas por ali, perto de onde ele próprio estava. Ele não a viu chegar, e logo entendeu porquê. Ela se moveu em silêncio, provavelmente da mesma forma que havia chegado ali, e se aproximou.

Nenhum dos dois disse mais nada. Ele, num silêncio constrangedor. Ela, num silêncio calmo. Ambos, porém, doloridos. A menina sentou-se ao lado do jovem, abraçando as próprias pernas, e com a cabeça apoiada nos joelhos.

— Era amiga dele, também? — O garoto perguntou, timidamente. Ele a olhou pelo canto dos olhos, mas ela nem mesmo se moveu.
— Prima.
— Sinto muito. — Ele voltou a falar, e permaneceram um momento em silêncio. — Quer que eu a deixe sozinha?

Ela o olhou. Seu rosto não tinha emoção alguma, com exceção de um traço de curiosidade no olhar. Por algum motivo, ele se sentiu incomodado com a avaliação rápida que ela fazia.

— Não é como se ele pudesse responder alguma tentativa de conversa.

Ela não falou mais nada, mas manteve o contato visual. O jovem a olhou ainda mais sem graça do que já estava, e não sustentou o olhar da moça muito tempo. Ele voltou a olhar o túmulo de mármore na frente da qual estavam sentados, e em breve a menina fez o mesmo.

— Foi você quem as trouxe? — Ela perguntou, indicando com a cabeça o buquê de flores do campo pousado ali em cima.
— Sim. Um bocado afeminado, não é? — Ele respondeu, com uma risada anasalada e voz um tanto quanto amarga.
— Não. São bonitas, mas inúteis. — A menina opinou, antes de completar com a voz mais baixa: — Ele não pode mais sentir o perfume que elas exalam.

O jovem considerou por um momento, e o silêncio entre eles voltou a reinar. Reparando bem, ele podia ver a tristeza escondida nos olhos dela, mesmo com a atitude serena. Não a forçaria a falar, apesar de tudo. Sabia como ela estava se sentindo, apesar do fato de que essa era a única coisa que sabia a seu respeito.


— Preciso ir. — Ele comentou ao olhar o relógio de pulso, no fim de longos minutos em que não falaram mais nada. — Se demorar mais um pouco, vou me atrasar para buscar minha irmã mais nova.

A menina não o olhou enquanto o garoto se levantava, apenas acenou positivamente com a cabeça, e ele se sentiu um tanto quanto idiota por dar explicações a uma desconhecida.

— Fique bem. Ou ao menos tente. — Ele se arriscou a dizer. — Não acho que Logan gostaria de ver qualquer um que o conhecesse triste.

A jovem acenou minimamente com a cabeça, e ele deu as costas, em direção aos portões de ferro do cemitério. Achou ter visto os olhos dela ligeiramente úmidos, mas se ela precisasse desabafar de algum modo, o melhor seria que fosse sozinha, e não na presença de um estranho.

— Obrigada.

Ele a ouviu sussurrar enquanto se afastava, mas não voltou. De qualquer forma, não saberia dizer se ela agradecia a ele, ou se estava se dirigindo ao túmulo do primo, jovem demais, e que nem mesmo teve a chance de aprender a viver.