tag:blogger.com,1999:blog-76255565351184110532024-03-13T22:31:02.598-07:00Canção de InvernoAnonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.comBlogger50125tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-48632022829262480722015-02-14T12:11:00.002-08:002015-02-14T12:11:47.866-08:00As cores que me bagunçamChloe,<br />
<br />
<br />
Você pode me ajudar? No fundo, eu acho que ninguém pode, mas preciso tentar de qualquer jeito, não é? É que nem eu sei bem com o que preciso de ajuda. Só sinto que não posso continuar assim, sabe? Não me leve a mal, gosto de mim. Mas acho que posso ser uma versão melhorada, só não sei como ainda.<br />
<br />
Não quero que as coisas continuem sempre do mesmo jeito. Gosto das mudanças, você sabe. Mas Chloe, por que eu tenho que ser tão bagunçada? Já aceitei minha bagunça pessoal, mas não estou mais aguentando. Estou me perdendo dentro de mim mesma.<br />
<br />
Na maior parte do tempo, sinto como se eu fosse uma aquarela, com todas as cores misturadas juntas. E, com muito sacrifício, consigo separar tudo, me organizar, e dar um passo de cada vez. Mas então uma gota d’água que seja me desmancha, e todas as cores se misturam de novo. Não tenho paz na minha mente, porque cada pensamento é uma cor, e juro que acabo criando tons que ninguém nunca viu antes, porque a mistura que eles fazem é grande demais.<br />
<br />
Para falar a verdade, não sei se sou aquarela, com todas as cores juntas em um turbilhão, ou se sou um caleidoscópio, com um padrão de cor diferente para cada jeito que observo as mesmas coisas. Não sei de mais nada.<br />
<br />
Sabe quando você já está cansada demais para tentar limpar toda a bagunça de sua própria mente, ou reparar direito as palavras que anda repetindo demais? É assim que estou. Porque acho que cheguei num ponto em que a bagunça dos meus pensamentos está passando para a realidade, inclusive para essa carta que te escrevo.<br />
<br />
Não quero ser mais bagunçada, Chloe. Quero encontrar meu equilíbrio, minha paz. Ser paradoxo cansa, às vezes. Me ajuda a arrumar minhas cores?<br />
<br />
Lyra.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-52269573128690062072015-01-25T10:47:00.000-08:002015-01-25T10:47:17.612-08:00Para quem já perdi<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria que este fosse</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Apenas mais um poema</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Sobre saudades e amor</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas invés disso estou
aqui</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Relatando meu problema</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de odiar você</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
E todos seus defeitos</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas fica meio
complicado</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Uma vez que eu gosto</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
De todos seus trejeitos</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de te amar</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Como um dia sonhei
conseguir</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas também é
complicado</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Quando você mal
consegue</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Me fazer sorrir</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de poder
sentir</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
A saudade que você
deixou</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas como eu poderia</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Se onde você vai</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Eu também vou?</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de finalmente</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Tomar uma decisão</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas eu jamais
conseguiria</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Uma vez que nunca
aceitei</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Ouvir um “não”</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de sentir algo</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Uma coisa de cada vez</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas eu sempre sinto
tudo</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mesmo sabendo</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Que é uma insensatez</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de saber como
é</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Seu verdadeiro eu</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Até tentei imaginar</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Seria você um príncipe</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Ou apenas um plebeu?</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de poder te
dizer</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Como odeio alguma mania</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas não convivo
contigo</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Então não sei dizer</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Nem como é sua
companhia</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de poder
conversar</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Como fazíamos no
passado</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas também é difícil</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Uma vez que não sei
agir</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Quando estou ao seu
lado</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria que mudássemos</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Não fôssemos
complicados</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas assim não seria</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O modo com o qual</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Estamos tão
acostumados.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de muitas
coisas</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
A maioria é clichê</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas preciso confessar</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Que dentre todas elas</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gosto mais de você</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Gostaria de poder ficar</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas de tanto te perder</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Quase me abandonei</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Então é isso</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Adeus, e até mais ver.</div>
<br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-90396882602959522862014-12-07T16:39:00.000-08:002014-12-07T16:39:15.450-08:00Um DiaUm dia você nasce<br />
<br />
E faz vários planos<br />
Sem nem imaginar<br />
Que tudo se modifica<br />
Com o passar dos anos<br />
<br />
Um dia você cresce<br />
<br />
E descobre que as nuvens não são<br />
Feitas de algodão<br />
E lembra que as coisas não eram<br />
Do jeito que estão<br />
<br />
Um dia você cresce<br />
<br />
E quer tudo do jeito que era<br />
Todos os detalhes<br />
E o que aconteceu<br />
Na última primavera<br />
<br />
Um dia você cresce<br />
<br />
E tudo virou história<br />
Você não sabe quem é<br />
Apenas mais um carro<br />
Sem trajetória<br />
<br />
Um dia você renasce<br />
<br />
E quer tentar tudo<br />
Com a música alta<br />
E o resto do universo<br />
No mudo.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-16955632161367407692014-11-20T09:17:00.000-08:002014-11-20T09:17:00.110-08:00TreacherousSusanna saiu do carro assim que o pai estacionou, nervosa. Ela detestava viagens em família, com todas as suas forças, e praguejava mentalmente todos os palavrões que sabia, enquanto ajudava os pais e a irmã a tirarem as malas do carro.<br />
<br />
Havia apenas uma coisa que a fazia aturar as viagens em família e, ironicamente, essa única coisa era também a mesma que a fazia detestá-las. Uma pontadinha de esperança ainda restava no fundo de sua mente, e ela olhou para a casa de praia onde ficariam.<br />
<br />
Um outro carro já estava estacionado ali perto, um Volkswagen Spacefox preto. A garota praguejou baixinho. Tarde demais. Ela ainda torcia para que o carro dos tios tivesse quebrado na estrada, talvez assim ela tivesse um pouco de paz durante as férias. Mas, aparentemente, o destino preferia rir dela do que ajudá-la pelo menos uma vez na vida.<br />
<br />
— Falou alguma coisa, Susie? — Seu pai perguntou, batendo a mala do carro após tirar a última bolsa.<br />
— Não, pai, foi impressão sua. — Ela disfarçou rapidamente.<br />
<br />
O homem ia falar mais alguma coisa, mas ao menos dessa vez a sorte sorriu a favor da garota, e uma voz feminina chamou, saindo da casa alguns metros distante:<br />
<br />
— Aí estão vocês! Pensamos que não viriam mais! — A mulher sorriu, aproximando-se enquanto enxugava as mãos no avental preso na cintura.<br />
— Cintia! — O pai de Susanna a cumprimentou, sorrindo. — Você está ótima! Onde está o Dave?<br />
— Lá dentro, me ajudando com o almoço.<br />
<br />
A mulher já havia se aproximado o suficiente para abraçar o irmão, e agora se virava para cumprimentar a cunhada.<br />
<br />
— Susie! Você está linda! — Ela disse, segurando o rosto da sobrinha, que forçou um sorriso.<br />
— Aposto que o Adrian também. — Jennifer, mãe de Susie, perguntou, e a garota xingou mentalmente. Ela não esperava que tivesse que encarar a verdade assim, logo de cara. — Ele veio?<br />
— Veio, claro. Está lá dentro, terminando de guardar as coisas.<br />
<br />
E lá se ia, sua última esperança de paz naquela viagem.<br />
<br />
— SUSIE! — Sua irmã, Victoria, chamou. Pelo grau de irritação em sua voz, já estava chamando há um bom tempo. — Dá pra acordar e vir me ajudar? Obrigada.<br />
— Eu não devia, não com essa sua educação. — Susie resmungou de volta.<br />
<br />
Apesar de ser quatro anos mais nova, Victoria já era tão geniosa quanto a irmã, que tinha dezesseis anos. Era bastante claro o quanto as duas eram unidas, e sempre defendiam uma a outra, quando preciso, mas isso não significava que não brigassem. Muito pelo contrário, era raro ver as duas se tratando como amigas, por livre e espontânea vontade e em um dia normal.<br />
<br />
Susanna desistiu de enrolar mais tempo. Uma hora ou outra teria que encará-lo mesmo, que ao menos fosse em companhia de outra pessoa, para evitar fazer qualquer coisa da qual fosse se arrepender depois. Ela jogou a mochila no ombro, e ajudou a irmã a pegar uma das malas que seu pai havia deixado no chão, e as duas se dirigiram à casa de praia, enquanto os adultos ficaram para trás, conversando.<br />
<br />
Era tradição da família passar ao menos duas semanas das férias na casa de praia, uma vez que Carl morava com a esposa, Jennifer, e as duas filhas em uma cidade diferente da que vivia sua irmã, Cintia, com o marido e o filho. Com exceção das férias, eles só se viam em datas comemorativas, como Natal, formaturas e aniversários. E podiam continuar assim, na opinião de Susanna.<br />
<br />
A essa altura, as duas meninas já estavam no segundo andar da casa, e podiam ouvir as vozes adultas no andar de baixo. Provavelmente haviam entrado pouco depois das duas.<br />
<br />
As duas meninas subiram com as malas de roupas, enquanto o pai trouxera as coisas que costumavam usar quando inventavam de “acampar” na praia, como barracas, lanternas e sacos de dormir. Já haviam subido a escada e atravessavam o corredor do segundo andar, procurando o quarto onde ficariam, quando uma das portas se abriu, e um garoto de dezoito anos saiu.<br />
<br />
O olhar dele passou rapidamente de surpresa por vê-las ali para um certo quê de malícia ao olhar para Susanna.<br />
<br />
— Ah, já chegaram? Não ouvi o carro estacionando. E aí, Vic? — Ele cumprimentou a mais nova, antes de se virar para a prima mais velha, com um olhar provocador e um sorriso torto que ela se perguntou se a irmão realmente não havia percebido. — E olá, Susanna.<br />
— Oi, Adrian. — Ela o cumprimentou, a contragosto.<br />
— Querem ajuda com as malas? — Ele se ofereceu, erguendo as sobrancelhas. — Posso mostrar o quarto.<br />
<br />
Susanna olhou-o ameaçadoramente, ao mesmo tempo em que torcia para não estar corando. A irmã ainda era nova e um bocado lerda para entender indiretas nada inocentes como as que o primo mandava, mas ela certamente perceberia algo se visse a irmã corando de vergonha.<br />
<br />
— Não, obrigada. Nós vimos aqui todos os anos, podemos achar nossos quartos. — Ela respondeu, seca.<br />
<br />
Ele sorriu divertido e saiu da frente delas, indicando o caminho para que passassem, antes de seguir o caminho pelo qual elas vieram, para descer as escadas.<br />
<br />
— Você podia ser mais educada — Victoria reclamou, quando achou que o primo já havia ido. — Ele só estava tentando ajudar.<br />
<br />
Susanna não respondeu. Em parte, porque sabia que a irmã não estava completamente errada, e em parte porque sabia que, se respondesse, Adrian ainda poderia ouvi-las. Elas entraram no quarto que dividiriam com o primo, e arrumaram boa parte das roupas que levaram.<br />
<br />
Quando começaram a tradição de viajar para a casa de praia durante as férias, tanto Susanna quanto Victoria e Adrian se recusaram a dividir quartos com os pais. A casa só possuía dois quartos, porém, e o máximo que poderiam fazer na divisão de cômodos era deixar um dos quartos para os mais novos, e o outro para os adultos. Ninguém ficou muito satisfeito com a escolha, mas foi aceita assim mesmo, e nunca mais mudou.<br />
<br />
Elas desceram alguns bons minutos depois, após arrumar as próprias roupas em um dos quartos, e as dos pais no quarto ao lado. Quando chegaram na cozinha, Adrian estava encostado no batente da porta que dava para o exterior da casa, seus pais terminavam de arrumar a mesa para o almoço, e seus tios terminavam de preparar a refeição.<br />
<br />
— Ah, até que enfim. — Jennifer comentou, quando as viu entrar no cômodo. — O almoço já está pronto, já íamos chamar vocês.<br />
<br />
O almoço passou calmo e praticamente em silêncio, apenas com conversas e comentários ocasionais entre os mais velhos. Victoria se mantinha alheia a tudo que era dito, e Susanna sentia, vez ou outra, o olhar de Adrian em si, da mesma forma que o olhava discretamente, de tempos em tempos.<br />
<br />
Algum tempo depois, quando todos já haviam acabado de comer e a louça já havia sido lavada, Susanna tentou, discretamente, escapar para o sótão da casa. Provavelmente não havia sido limpo, e estava coberto de poeira, mas ao menos lá teria um pouco de paz, antes que inventassem alguma tarefa para que ela ajudasse. Ela passou no quarto, antes, apenas para pegar seu caderno de desenhos, um lápis e uma borracha.<br />
<br />
Ela acendeu a luz do cômodo. Era fraca, mas ao menos para desenhar serviria. Usando um grande baú como encosto, ela se sentou, respirando fundo e procurando alguma inspiração. Enquanto mantinha os olhos fechados, podia ouvir os passos e o falatório no andar de baixo. Victoria, a essa hora, provavelmente estava implorando para que todos fossem para a praia. Com sorte, entenderiam que o sumiço dela era um sinal para que fosse deixada em paz.<br />
<br />
Pouco a pouco, o desenho foi tomando forma, e a garota ia se acalmando. Toda vez que fazia essa viagem em família anual, algo dava errado, ou corria um risco enorme de terminar mal. Sempre pelo mesmo motivo. Mas, por mais que não gostasse dessas férias, não podia negar que o lugar era lindo.<br />
<br />
Susie já havia perdido a noção do tempo que estava lá. Podia ser vinte minutos, ou duas horas. Tudo que ela sabia era que o desenho já estava quase pronto, quando os passos que ela ouvia no andar de baixo se aproximaram gradativamente, e uma sombra se projetou sobre o caderno de desenhos, tampando a luz que ela usava para desenhar.<br />
<br />
— Olá, priminha. — Ele disse quando ela olhou para cima, apenas para encontrá-lo sorrindo e olhando-a nos olhos, com o cabelo caindo sobre o rosto.<br />
— Você sabe muito bem que não sou mais criança para ficar me chamando de “priminha”. —Susie respondeu, com um sorriso desafiador.<br />
<br />
Ele riu baixo, se movendo para ficar de frente para a garota, e então sentando-se no chão.<br />
<br />
— Vamos, me desenhe como uma de suas garotas francesas. — Ele pediu, colocando a mão na testa de forma dramática.<br />
— Citações de filmes não vão me conquistar, priminho. Achei que tinha desistido há tempos.<br />
— Alguns hábitos nunca morrem. — Ele comentou. — Como o seu, de me ignorar só quando estamos perto de outras pessoas.<br />
— E o que você queria que eu fizesse, Adrian?<br />
— Tudo bem, eu não te culpo. É muito difícil resistir aos impulsos? — Ele provocou, malicioso.<br />
— Não fui eu quem passou dos limites da primeira vez, lembra? — Susie retrucou, com o mesmo tom de malícia.<br />
<br />
Ele jogou a cabeça para trás, rindo.<br />
<br />
— Essa é a Susanna que eu conheço! Mas, de qualquer forma, não vim discutir a relação. Não somos um casal de velhos. — Ele cortou o assunto, balançando a mão. — Estou bancando o mensageiro. Nós vamos para a praia, me pediram para te chamar.<br />
— Obrigada, mas eu não vou.<br />
— Susie, qual é. — Adrian revirou os olhos. — Você prefere mesmo ficar aqui no sótão desenhando, enquanto podia estar na praia?<br />
— Nós teremos duas semanas para aproveitar a praia, posso me dar um dia de folga para desenhar. — A garota tentou argumentar.<br />
<br />
Ele ficou quieto, olhando ao redor, como se procurasse um bom argumento em meio às caixas de papelão que lotavam o sótão. Por fim, suspirou cansado e voltou a olhar para a prima.<br />
<br />
— Prometo que não vou fazer nada enquanto estivermos lá. Até porque não sou burro de tentar algo com nossos pais e sua irmã por perto. — Ele prometeu. — Além do mais, você pode levar o caderno de desenho. E, se não for, vai perder a incrível oportunidade de me ver em roupa de banho.<br />
<br />
Susie não pode sufocar uma risada, e Adrian também sorriu, ao ver que ela não estava mais séria. O jovem se levantou, estendendo a mão para a prima. Ela considerou as opções por alguns segundos, antes de suspirar cansada, e aceitar a ajuda do mais velho para se levantar.<br />
<br />
— Eu vou. — Ela concordou. — Mas vou levar o caderno de desenho.<br />
— Sinta-se à vontade. — O jovem retrucou de imediato, indicando com os braços o caminho para que ela passasse.<br />
<br />
<br />
<br />
Susie se revirava no colchão, sem conseguir dormir. Ela estava exausta, depois das horas de viagem no carro mais cedo, e da tarde que passara na praia, mas, ainda assim, não conseguia pegar no sono. Sem ter como ver as horas, ela não fazia a menor ideia de quanto tempo já fazia que estava ali, só sabia que com certeza havia ido deitar há mais de uma hora.<br />
<br />
Mesmo que tivesse relutado no começo, ela não podia negar que foi uma boa ideia sair de casa. Victoria, sua irmã, já tinha 12 anos, mas não deixava de agir como uma criança toda vez que iam até a praia. Susanna, por outro lado, preferia fica sossegada lendo um livro à sombra do guarda-sol ou, como fizera hoje, desenhando.<br />
<br />
Ou ao menos ela tentara desenhar, porque toda hora sua atenção era desviada com os pais e tios tentando manter uma conversa ou com os gritinhos de sua irmã enquanto jogava frescobol com Adrian. Aparentemente, o jovem sem querer acertara a bolinha na cabeça da prima mais nova. Mais de dez vezes. E sem se dar o trabalho de pedir desculpas, uma vez que estava muito ocupado rindo enquanto ela reclamava.<br />
<br />
Por fim, a garota largou o caderno e o lápis, desistindo de desenhar o que quer que fosse, e não pode evitar o riso vendo justo a irmã, que sempre dizia para ela parar de trocar farpas com Adrian, se irritando e sendo irritada pelo primo.<br />
<br />
Susanna até tentou passar despercebida por Adrian e Victoria enquanto se levantava da canga que havia estirado na areia, para sentar-se, e se dirigia até o mar, para um mergulho rápido. Os esforços, porém, foram em vão, uma vez que, bem quando estava saindo da água, os dois apareceram, empurrando-a de volta, e fingindo afogá-la. Ainda que todo o tempo que passaram brincando como crianças e jogando água uns nos outros tivesse passado em paz e Susanna estivesse com o humor muito melhor, não podia simplesmente ignorar a preocupação no fundo da mente.<br />
<br />
Porque, assim como não podia ignorar a preocupação, também não podia ignorar a pequena parte do seu cérebro que registrava todas as pequenas ações de Adrian, reparando em todos os detalhes do que ele fazia. Ela tentou espantar esses pensamentos para longe, mas não conseguiu. Como todas as outras vezes, desde que ela tinha treze anos e tudo aquilo começara.<br />
<br />
Susanna esfregou os olhos, deitada na cama. Como as coisas podiam ter se complicado tanto em apenas três anos? Não era tanto tempo assim. Ela sempre tivera uma relação relativamente boa com Adrian, e agora toda vez que se viam em reuniões familiares era a mesma coisa: uma hora nada parecia ter mudado, para depois brigarem como se fossem gato e rato. É claro que ela sabia muito bem que ambos só brigavam para tentar se afastar um do outro, mas nunca dava certo. No final, sempre se atraiam, como polos diferentes de um ímã.<br />
<br />
Ela ouviu o rangido de madeira do outro lado do quarto e, por reflexo, fechou os olhos. Pouco depois, o som baixo e abafado de passos veio daquela direção, se aproximando dela, para então passar direto e seguir até a porta. O barulho da maçaneta teria passado despercebido por qualquer um que estivesse dormindo, mas ela foi capaz de ouvi-lo. Susie esperou o som indicando que a porta havia se fechado de novo, contou alguns segundos e então sentou-se no colchão. Ela olhou em volta, apertando os olhos e tentando enxergar quem havia levantado. Victoria parecia em sono profundo, mas a cama de Adrian estava vazia.<br />
<br />
A jovem franziu a testa, estranhando a situação. Adrian tinha sono pesado, não costumava se levantar durante a noite. Ela considerou as opções por um momento, e foi se amaldiçoando por ser tão curiosa que Susanna afastou as cobertas para se levantar. Pé ante pé e fazendo o mínimo de barulho possível, ela girou a maçaneta, saindo do quarto em completo silêncio.<br />
<br />
Ela olhou os dois lados do corredor, mas não havia sinal do primo. A porta do banheiro estava encostada, mas a luz apagada indicava que não havia ninguém lá. Susie se aproximou da escada, tentando perceber algum movimento no andar de baixo, e ouviu o bater da porta da sala.<br />
<br />
Adrian estava louco, com certeza. Por que motivo ele sairia de casa no meio da madrugada? Susanna tinha pleno conhecimento de que o primo não era sonâmbulo. A garota praguejou mentalmente por ser tão curiosa, e desceu as escadas, apressando o passo ligeiramente para chegar na varanda a tempo de ver onde o garoto estava indo.<br />
<br />
Ele já estava alguns metros afastado da casa, descendo o pequeno declive que levava à praia propriamente dita. Apenas o facho de luz de uma lanterna iluminava o caminho que ele seguia, andando calmamente. Susanna acelerou o passo mais um pouco, passando para uma quase corrida, até alcançá-lo.<br />
<br />
— Adrian! Adrian! — Ela chamou, irritada. — O que pensa que está fazendo?<br />
<br />
O jovem não a respondeu, apenas passou a caminhar mais devagar até que a prima chegasse perto o suficiente.<br />
<br />
— Se vai vir comigo, talvez queira isso. — Ele comentou despreocupadamente, estendendo para a menina outra lanterna.<br />
<br />
Susanna sentiu a raiva queimar dentro dela. Ele sabia que ela o seguiria desde o momento em que saíra do quarto? Ela aceitou a lanterna, de má vontade, antes de voltar a falar:<br />
<br />
— Você não respondeu minha pergunta.<br />
— Qual pergunta? — Ele perguntou, com as sobrancelhas arqueadas e um ar de desentendido, assim que ela chegou ao lado dele.<br />
— Por que você sempre foge de tudo? — Ela perguntou, frustrada, antes de explicar como quem fala com uma criança de dois anos que descumpriu uma regra: — Por que raios você saiu de casa no meio da madrugada?<br />
— Preciso caminhar um pouco. — Adrian respondeu, como se fosse simples. — E um momento… eu fujo de tudo?<br />
<br />
Ele parou de caminhar, parecendo indignado. Susanna também parou de andar, alguns passos depois, e virou-se para o primo, desafiando-o com o olhar. O silêncio era absoluto na praia, e a única iluminação vinha da lua e das duas lanternas que os dois seguravam.<br />
<br />
— Sim, você. — Susanna reafirmou, irritada. — É você quem fica me provocando e depois se esquiva antes de assumir qualquer coisa.<br />
— Com “qualquer coisa” você quer dizer um relacionamento? — Adrian desdenhou. — Porque se for, espero que você tenha alguma ideia de como chegar para nossos pais e dizer “pai, mãe, sei que nós somos primos, mas estamos namorando”.<br />
<br />
Ele esperou uma resposta, com a sobrancelha arqueada, mas a garota continuou em silêncio, sem saber o que dizer.<br />
<br />
— Se não fosse por isso, poderíamos ter algo mais? — Ela perguntou, por fim, com um fio de esperança na voz baixa.<br />
— Eu poderia considerar a ideia, se você não fosse tão inconstante. — Adrian a cortou. — Você foge de mim sempre que tem alguém por perto, mas quando estamos fora dos olhares dos outros, é uma pessoa completamente diferente.<br />
— E como você espera que eu aja? Respondendo suas provocações na frente dos nossos pais? — Ela perguntou, de forma retórica. — A melhor coisa que eu poderia fazer seria fugir de você.<br />
— Uma pena que você não consegue, não é, priminha? — Ele provocou, sorrindo e se aproximando dela. — Se conseguisse, não teria me seguido até aqui.<br />
— Você fala como se pudesse me controlar. — Susanna observou, com um sorriso sarcástico.<br />
<br />
Adrian se aproximou mais, até estar perigosamente perto.<br />
<br />
— É porque eu posso.<br />
<br />
E, antes que a garota pudesse empurrá-lo, ele a beijou, e ela sentiu como se perdesse todo o controle e noção de realidade. As mãos foram parar no pescoço dele, puxando-o para mais perto, enquanto ele a segurava firmemente pela cintura.<br />
<br />
Meu Deus, como Susanna sentira falta dele. Jamais admitiria em voz alta, mas não podia negar para si mesma que, em momentos como aquele, em que ambos falavam apenas com as mãos, ela faria tudo que Adrian pedisse.<br />
<br />
Os dois se separaram depois do que pareceu uma eternidade, mas poderiam ter ficado ali por horas.<br />
<br />
— Como eu disse. — Ele repetiu, um pouco ofegante depois do longo beijo. — Você não resiste a mim. E, se quer saber, nem eu resisto a você. Não é como se fosse uma escolha.<br />
— Soa mais simples quando você fala.<br />
— Mas é simples. Nós quem complicamos. — Ele respondeu, sorrindo.<br />
— Nós complicamos porque é perigoso, Adrian. — Susie tentou argumentar.<br />
— E a viagem não vale a pena? — O garoto retrucou, com um sorriso torto, roçando o nariz no dela.<br />
<br />
Ela riu baixo. Touché. Antes que pudesse dizer alguma coisa, porém, Adrian colocou o dedo sobre os lábios dela, pedindo silêncio, e se afastou rapidamente. Pouco depois, Susanna entendeu o porquê. Há alguns metros de distância, na direção da casa, outro faixo de luz se aproximava, até que Victoria entrou no campo de visão dos dois adolescentes, com uma expressão que misturava sono e curiosidade.<br />
<br />
— O que vocês estão fazendo aqui? São quase três horas da manhã! — Ela perguntou. Susanna estava prestes a dar a mesma desculpa que Adrian dera para ela alguns minutos atrás, mas o garoto respondeu mais rápido:<br />
— A Susie desceu para beber água, ouviu um barulho estranho aqui fora e me chamou para ver o que era.<br />
— Acharam alguma coisa? — Vic perguntou, com medo.<br />
— Não. — Adrian respondeu, despreocupadamente. — Deve ter sido só algum bicho, nada demais. Já estávamos voltando.<br />
<br />
Susanna não conseguia acreditar. Como a irmã havia acreditado numa desculpa tão esfarrapada quanto aquela? Ela já havia virado de costas para voltar para a casa, e Adrian também já começava a andar, mas Susie continuava parada no mesmo lugar, sorrindo para si mesma.<br />
<br />
— Vai ficar aí? — Adrian perguntou, com uma sobrancelha arqueada, ao ver a prima alguns passos atrás.<br />
— Não. — Ela respondeu, vagamente. — Não, já estou indo.<br />
<br />
Talvez agora ela pudesse dormir em paz, sabendo que talvez valesse a pena continuar com o relacionamento às escondidas com o primo. E, mesmo que não valesse, depois ela pensaria naquilo. No momento, tudo em que ela conseguia pensar era no nome de Adrian, e na certeza de que quanto mais aquilo fosse imprudente, mais ela gostaria. Foi com isso em mente que ela o seguiu para casa, sabendo que, ao menos daquela vez, as férias poderiam seguir sem nenhum imprevisto.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-13894332924832753342014-11-13T10:27:00.000-08:002014-11-13T10:27:24.538-08:00Dead!A maçaneta da porta foi forçada uma, duas, três vezes, até finalmente ceder e abrir. Os móveis estavam todos empoeirados, o interior da casa estava todo escuro, e a sala foi iluminada apenas pela luz da lua, alta e cheia no céu sem estrelas.<br />
<br />
— Conseguimos! — A adolescente cantou vitória, rindo histericamente.<br />
— Shhh, fique quieta! — A outra ralhou, se esforçando para não rir também. — Podem ouvir a gente!<br />
<br />
Elas entraram na casa, com passos rápidos e trôpegos. Assim que a última delas entrou na casa abandonada, fechou a porta atrás de si, deixando do lado de fora o riso longe das<br />
crianças que aproveitavam a noite de Halloween, e o silêncio parecia querer tomar o local, mas não durou muito.<br />
<br />
— Ebony! Por que não esperou acendermos a luz? Está muito escuro! — Ashley, a que<br />
havia aberto a porta, reclamou com a última a entrar.<br />
<br />
Antes que a porta pudesse ser aberta de novo, uma luz fraca iluminou o ambiente. Cassidy, que até então estivera quieta, acendera um fósforo. A luz durou pouco, mas foi o suficiente para que Hillary conseguisse achar o interruptor e acender a luz, que piscou algumas vezes antes de se estabilizar, amarelada e fraca.<br />
<br />
— Meu Deus, ela morava aqui? — Ebony perguntou com repulsa, avaliando o cômodo onde estavam. — Essa casa é horrorosa.<br />
— Imagino que não seja tão ruim assim embaixo de tanta camada de poeira. — Hillary replicou, sarcástica.<br />
— Vocês vão mesmo ficar discutindo a aparência da casa? Sério? — Cassidy perguntou, arqueando uma sobrancelha.<br />
— Pois é! — Ashley concordou com a amiga. — Se querem mesmo saber se a casa era diferente, vamos perguntar a ela.<br />
<br />
As outras meninas riram, voltando a avaliar o hall e zombar da decoração que, segundo elas, era de mau gosto e fora de moda. Nenhuma delas reparou a porta se trancando sem que ninguém tocasse a chave.<br />
<br />
Não havia ninguém por perto para impedi-las de fazer o que já estavam fazendo; pouco a pouco, zombar do hall de entrada da casa abandonada há quase dois anos perdeu a graça, e elas voltaram a atenção para o que realmente haviam ido fazer ali.<br />
<br />
Cassidy seguiu em direção ao corredor que ligava a saleta ao restante da casa, sendo seguida das amigas. Quadros cobertos por panos empoeirados cobriam as paredes, até que o corredor terminou em uma sala de estar, tão suja e escura quando o hall em que estiveram há pouco tempo. A lareira não era acesa ou limpa há muito mais tempo do que a casa estava abandonada, com certeza, pela quantidade de sujeira acumulada em seu interior. Teias de aranha cobriam os cantos das paredes, e com as luzes fracas, tudo parecia mais assustador. A sala só possuía uma estante com livros tão antigos e grossos que poderiam pertencer a uma biblioteca, uma poltrona em frente a lareira e um sofá de três lugares. Os assentos agora estavam cobertos com longos lençóis que um dia foram brancos, mas que naquele momento estavam acinzentados.<br />
<br />
E, certamente, as meninas não foram as primeiras a arrombar a casa, porque o vidro da janela estava quebrado, e fora coberto com tábuas pelo lado de fora. Uma porta dava para a cozinha, mas elas não foram até lá; se tudo parecia ter sido abandonado do jeito que estava quando a família morava lá, com móveis, objetos de decoração e derivados, elas não queriam nem imaginar o estado dos alimentos, se ainda havia algum ali.<br />
<br />
Em vez disso, elas seguiram, pé ante pé, até a uma escada no canto esquerdo da sala. A madeira parecia de boa qualidade, mas estava destruída por cupins, e o carpete estava escurecido e imundo. Os degraus rangiam, mas o medo que começava a assolar cada uma delas não era suficiente para abafar a adrenalina.<br />
<br />
O hall do andar superior da casa era ainda mais bizarro, se isso era possível. O cenário parecia ter saído de um filme de terror. As tábuas do piso de madeira rangiam, e no centro do cômodo havia um tapete, imundo e puído, com pedras de vários tamanhos que aparentemente haviam sido usadas para quebrar a janela. O lustre um dia até poderia ter sido bonito, mas agora pendia de modo medonho, balançado pelo vento entrando através da janela de vidros quebrados. Os buracos no vidro permitiam a entrada de um pouco da luz da lua no ambiente, o que fazia sombras bizarras serem projetadas no chão, provocadas pelos galhos das árvores no quintal.<br />
<br />
Ebony havia achado uma lanterna na mochila que carregava, e agora tentava fazê-la acender; de última hora a garota lembrou-se de colocá-la junto com as outras coisas que levariam, por segurança, mas não se lembrou de trocar as pilhas.<br />
<br />
— Não é de se admirar que ela nunca nos convidou para vir aqui. — Hillary comentou, sussurrando. — De onde essa casa saiu, um filme de terror?<br />
<br />
A última frase saiu meio trêmula, como um meio riso. A jovem estava tentando quebrar a tensão, mas até que enfim todas estavam começando a ficar nervosas. Nenhuma delas achou que seria tão perturbador quanto estava sendo, mas estavam decididas a ir até o fim. Não seria a aparência de uma casa malcuidada que as fariam desistir, não era assim que funcionavam.<br />
<br />
— Vamos logo com isso. — Ebony falou, tentando abrir a porta mais perto de onde estavam. De início, ela nem mesmo se mexeu, e a garota jogou o peso de seu ombro contra a madeira, que finalmente cedeu.<br />
<br />
O quarto era tão vazio quanto os outros cômodos em que estiveram, mas parecia ter pertencido a um casal. A cama larga e bem-arrumada tinha dois criados-mudos, um de cada lado, e o reflexo das meninas paradas no batente da porta as encaravam de dentro de um espelho, descascado e pendurado na parede em cima da cama.<br />
<br />
Depois de avaliar o cômodo, elas deram meia-volta, em busca do quarto certo. Passaram por mais dois antes de encontrá-lo: um banheiro cujo armário sobre a pia estava aberto e coberto de teias de aranhas, e uma banheira imunda e que aparentemente era o novo lar de alguns bichos e insetos.<br />
<br />
O outro quarto em que entraram era, sem dúvidas, o mais bizarro. Sua decoração não era em nada diferente das outras que haviam visto, pelo contrário. Era uma das mais minimalistas, mas isso só piorava.<br />
<br />
De frente para a porta havia uma janela, tampada por cortinas que iam até o chão. Na parede esquerda, uma cômoda de madeira simples, com alguns porta-retratos em sua superfície. Na parede oposta, um berço com um móbile e coberto por um mosquiteiro que, na aura espectral do quarto, mais parecia uma enorme teia de aranha. Levando em consideração o aspecto do resto da casa, nenhuma das meninas se surpreenderia se realmente o fosse. No chão, alguns poucos brinquedos espalhados eram o único indício de que algum bebê havia dormido ali algum dia.<br />
<br />
Àquela altura, as jovens já começavam a se arrepender de estarem ali, embora nenhuma delas jamais fosse admitir.<br />
<br />
— Quase me esqueci de que ela tinha um irmão… — Ashley comentou em voz baixa, e<br />
Cassidy concordou com a cabeça.<br />
— Irônico. — Ebony retrucou. — Porque ela nunca nos deixou esquecer quando estava viva.<br />
— Lembrar é o mínimo que poderíamos fazer, depois de tudo que fizemos a ela. — Hillary<br />
pontuou.<br />
— Não fizemos nada. — Ebony retrucou de prontidão, embora parecesse tentar convencer a si mesma. — Além do mais, nada teria acontecido se Cassidy não tivesse tentado bancar a boa moça e a convidado para almoçar com a gente naquele começo de ano letivo.<br />
— Então agora é <i>minha</i> culpa tudo o que aconteceu? — Cassidy perguntou, indignada.<br />
— <i>Não temos culpa de nada!</i> — Ashley interveio, irritada.<br />
<br />
O silêncio pairou sobre elas, pesado, por um momento. Então Hillary o quebrou, falando:<br />
<br />
— Vamos. Só sobrou um quarto para olharmos, só pode ser o dela.<br />
<br />
De fato, agora só havia um quarto para ser aberto, e quando elas o fizeram, quase se arrependeram. A presença dela ali era tão forte que chegava a ser ligeiramente sufocante. De longe, era o cômodo mais decorado da casa.<br />
<br />
A cama era de casal, assim como a do primeiro quarto em que olharam, com dossel e um mosquiteiro empoeirado. Um espelho de corpo inteiro ficava na mesma parede, já todo manchado e arranhado. O papel de parede com tema que um dia fora feminino e delicado agora estava escuro e envelhecido, como se estivesse lá há muito mais tempo do que realmente estava.<br />
<br />
Na mesma parede da porta, ficava a cômoda, ainda com uma das gavetas abertas e as roupas em seu interior reviradas. Na parede oposta à janela, no lado direito do quarto, estava pendurado um enorme quadro de cortiça, com inúmeras fotos e recortes de revistas pregados por tachinhas coloridas. A única coisa realmente perturbadora naquilo tudo, além do ar de abandono, estava no teto.<br />
<br />
Tanto Ashley quando Ebony e as outras meninas se lembravam claramente do quanto ela gostava de trabalhos manuais, assim como também se lembravam do dia em que ela chegara no colégio empolgada, mostrando fotos de um novo projeto que achara e que planejava botar em prática: um grande móbile colorido, feito inteiramente de origamis em forma de tsurus.<br />
<br />
Pelo tempo passado desde aquele dia, ela certamente teria terminado o projeto, mas não havia nada lá. Em vez disso, do gancho pregado ao teto em que o móbile estivera, havia um pequeno pedaço de corda pendurada. Nenhuma das meninas conseguiu ver aquilo sem evitar um arrepio percorrer-lhes a espinha.<br />
<br />
— Então foi assim mesmo. — Cassidy comentou, com um traço de choque em sua voz. Não obteve resposta. Depois do que pareceu serem alguns minutos, todas elas saíram do pequeno transe em que estavam, e voltaram a atenção para seu objetivo inicial.<br />
<br />
Ebony sentou-se no meio do quarto, em frente a cama, e tirou a mochila das costas, para<br />
então abri-la e revirar seu conteúdo, em busca de algo em especial. Hillary sentou-se ao seu lado, Cassidy continuava parada no mesmo lugar, olhando ao redor, e Ashley moveu-se lentamente até o criado-mudo ao lado da cama.<br />
<br />
— Ashley. — Hillary chamou. — O que está fazendo?<br />
— Acho que é o diário dela. — A amiga respondeu, vagamente, mostrando uma agenda<br />
cor-de-rosa que havia achado. — Imagino que os pais não tiveram coragem de ler.<br />
<br />
Ela sentou-se junto das amigas, ainda com o olhar perdido e o caderno em mãos. A garota buscou o olhar de cada uma das outras, como se pedindo permissão, para só então abri-lo e começar a folhear as páginas aleatoriamente, e lê-las em voz alta.<br />
<br />
<br />
<i><span style="color: #666666;">“1º de março, 2011</span></i><br />
<i><span style="color: #666666;"><br /></span></i>
<i><span style="color: #666666;">Querido diário,</span></i><br />
<i><span style="color: #666666;"><br /></span></i>
<i><span style="color: #666666;">Talvez as coisas não sejam tão ruins assim. Talvez eu possa me adaptar. Não gosto da escola nova, mas esperava que fosse pior. Não é muito diferente do que era antes. Eu continuo invisível. As pessoas passam por mim sem me notar, ou me olham torto, como se eu fosse indesejada. Isso não me incomoda, passei por isso a vida toda, mas acho que ainda tinha esperança de que as coisas pudessem mudar. Talvez ainda possam.</span></i><br />
<i><span style="color: #666666;"><br /></span></i>
<i><span style="color: #666666;">Hoje uma garota me convidou para que almoçasse com ela e as amigas. Achei que fosse piada, elas parecem tão populares. Acho que só fizeram isso por caridade. Nenhuma delas parece gostar de mim. Mas eu não ligo. Não vou deixar que aconteça de novo, não vou ser a menina estranha e sem amigos que sempre fui.</span></i><br />
<i><span style="color: #666666;">Essa é minha chance de mudar, e eu não vou deixá-la escapar.</span></i><br />
<i><span style="color: #666666;"><br /></span></i>
<i><span style="color: #666666;">Eu <b>vou</b> ser amiga delas.”</span></i><br />
<br />
<br />
O silêncio pairou do quarto pelo que pareceu uma eternidade. Apesar disso, as meninas<br />
não pareciam em pesar, só pensativas. Hillary ainda tinha o olhar meio perdido quando comentou, com a voz dura:<br />
<br />
— Ela devia saber que não se pode forçar uma amizade. Especialmente conosco.<br />
— Não é por almoçar conosco um dia que ela se tornaria parte do grupo. — Ebony concordou.<br />
<br />
Cassidy tomou a agenda das mãos da Ashley, e passou algumas páginas, antes de parar em uma data qualquer.<br />
<br />
<br />
<span style="color: #666666;"><i>“24 de agosto, 2011</i></span><br />
<span style="color: #666666;"><i><br /></i></span>
<span style="color: #666666;"><i>Querido diário,</i></span><br />
<span style="color: #666666;"><i><br /></i></span>
<span style="color: #666666;"><i>Não sei se as coisas estão melhorando. Não tenho coragem de me afastar delas, mesmo que não me sinta inclusa no grupo. E sei que elas não gostam de mim também. Cassidy tenta ser simpática, mas sinto como se ela se arrependesse por me convidar para juntar-me a elas, no começo do ano. Ashley nem mesmo tenta fingir gostar de mim. Ebony não me ignora, mas sei que ela e Hillary riem de mim pelas costas. Todos sempre fazem isso. As vezes sinto tanta raiva. Por que não posso ser normal e ter amigos? Não sei o que faço de errado. A única coisa que sei é que preciso esconder dos meus pais. Não preciso que eles tentem resolver meus problemas, não sou mais criança. Eles precisam cuidar do Andy agora.”</i></span><br />
<br />
<br />
Ela parou de ler antes de terminar tudo o que estava escrito naquela data. Daquela vez, ninguém comentou nada. Todas sabiam que era verdade, que ela nunca fizera parte daquele grupo, e que por mais que tentasse, era motivo de piada. Elas nem mesmo tentavam esconder isso. Em vez de comentar o que quer que fosse, Ashley só falou, com a voz seca e até um pouco autoritária:<br />
<br />
— Vamos, passe para outra data.<br />
<br />
Cassidy assentiu, e procurou outra data qualquer.<br />
<br />
<br />
<i style="color: #666666;">“</i><span style="color: #666666;"><i>15 de janeiro, 2012</i></span><br />
<span style="color: #666666;"><i><br /></i></span>
<span style="color: #666666;"><i>Querido diário,</i></span><br />
<span style="color: #666666;"><i><br /></i></span>
<span style="color: #666666;"><i>As aulas começam em poucos dias, finalmente. Passei as férias todas sozinha, e acho que não aguento mais. Ainda assim, não sei se quero voltar para a escola. Não sei de mais nada. Por um tempo, cheguei a achar que finalmente havia feito amigos. Ou ao menos, que havia chegado o mais perto disso do que nunca cheguei. Mas não tenho mais certeza.</i></span><br />
<span style="color: #666666;"><i><br /></i></span>
<span style="color: #666666;"><i>Não ouvi nada das meninas durante todo o recesso. Talvez elas tenham viajado, talvez estejam ocupadas com suas famílias. As vezes me pergunto se sou a única assim. Obrigada a passar os dias trancada em casa, para cuidar do irmão. Amo Andy, mas não aguento mais isso.</i></span><br />
<span style="color: #666666;"><i><br /></i></span>
<span style="color: #666666;"><i>Me sinto mal por confessar, mas sinto toda essa raiva, todo o tempo. Quero que tudo isso</i></span><br />
<span style="color: #666666;"><i>acabe logo. Ouvi dizer que Ebony dá uma festa de volta às aulas todo ano. Quem sabe esse ano eu não seja convidada?”</i></span><br />
<br />
<br />
Cassidy se interrompeu mais uma vez, olhando para as amigas com uma sobrancelha arqueada. Ashley riu baixo, em escárnio, mas foi Hillary quem falou:<br />
<br />
— O que a fez pensar que seria convidada? — Ela disse. — Aquela garota era bizarra, não importa o quanto tentasse parecer delicada ou uma de nós.<br />
— Além disso, eu nem fiz festa alguma aquele ano. — Ebony completou. — Tem mais alguma coisa depois disso?<br />
<br />
Cassidy passou as páginas, mas não havia nada para ser lido.<br />
<br />
— Não. Foi o último dia em que ela escreveu de verdade. As outras páginas só tem rabiscos e palavras desconexas. Raiva. Chega. Ódio. Raiva. Raiva. Sempre as mesmas palavras. E então, no dia 27 de outubro não tem mais nada.<br />
<br />
Todas sabiam muito bem porque, a partir daquela data, não havia mais nada. Porque não havia mais ninguém para escrever.<br />
<br />
O silêncio ameaçou pairar mais uma vez, mas Ebony o quebrou com um pigarro da garganta. Ela havia voltado a revirar a mochila, e retirou de lá um tabuleiro de madeira de tamanho médio.<br />
<br />
— Então. — Ela disse, olhando para as amigas de forma desafiadora. — Vamos ver se agora ela tem algo mais a dizer.<br />
<br />
A garota apoiou o tabuleiro no chão, de frente para si mesma e para as amigas, sentadas ao seu lado em um meio círculo. Todas agora estavam quietas, com a expectativa aumentando cada vez mais.<br />
<br />
— Prontas? Vocês sabem como começa. — Ela disse, no que as outras concordaram com um aceno de cabeça.<br />
<br />
Todas fecharam os olhos, e Ebony começou uma oração, com voz solene, pedindo proteção para todas elas. Nenhuma acreditava realmente que um tabuleiro ouija pudesse funcionar. Mas se já estavam lá, iriam até o fim, e não fazia sentido quebrar uma regra que, do ponto de vista delas, não era importante.<br />
<br />
Quando a jovem acabou de falar, permaneceu ainda alguns segundos em silêncio e com os olhos fechados, assim como as outras meninas. Quando voltaram a abrir os olhos, era possível ver o brilho de excitação no olhar de cada uma, assim como a empolgação. Ebony, sentada diretamente na frente do tabuleiro, respirou fundo, e colocou o dedo em cima do ponteiro, sendo seguida por Hillary, Ashley e, por fim, Cassidy. As meninas trocaram olhares, em expectativa, mas logo todas se voltaram para Ebony.<br />
<br />
Fora Ashley quem, aproveitando a aproximação do Halloween, falara de brincadeira para as amigas sobre o tabuleiro ouija. Mas fora Ebony quem levara a sério a ideia, além de idealizar o resto do plano e conseguir o tabuleiro, e agora as outras meninas esperavam que ela dissesse qual seria o próximo passo. Nenhuma delas sabia como começar aquilo. Por fim, a jovem falou, com a voz tremendo levemente de excitação e nervoso:<br />
<br />
— Tem alguém aí?<br />
<br />
Assim que falou, sentiu que a questão soava ridícula demais. Mas, afinal, nenhuma delas<br />
havia combinado que pergunta fazer, e agora já era tarde demais. Já estavam respondendo.<br />
<br />
Foi com um medo crescente que elas viram o ponteiro, lentamente, se mover, apontando para a opção “SIM”. Elas respiraram fundo, antes que a próxima pergunta fosse feita:<br />
<br />
— E qual é o seu nome?<br />
<br />
Por alguns segundos, o coração de todas elas se descompassou. No fundo, aquela era a única pergunta com que se importavam. E, de tão nervosas, quase não repararam quando o ponteiro voltou a se mexer, dessa vez em direção às letras, formando duas palavras de<br />
modo lento. Lucy Hering.<br />
<br />
Assim que o ponteiro parou em cima da última letra, o clima no quarto pareceu muito mais pesado do que já estava quando elas entraram lá. De repente, nenhuma delas sabia o que fazer. Por mais que não acreditassem serem culpadas, um sentimento próximo da culpa apertava suas gargantas.<br />
<br />
Hillary aproveitou alguns segundos de coragem para perguntar, com tom de voz<br />
zombeteiro:<br />
<br />
— Para onde você foi depois de morrer?<br />
<br />
Nada aconteceu. As meninas já estavam começando a pensar que a pergunta não era<br />
válida, mas o ponteiro começou a se mover de repente. L-u-g-a-r n-e-n-h-u-m.<br />
<br />
O sangue de cada uma delas gelou. Por fim, Hillary falou de novo, mas sua voz agora estava ligeiramente ríspida.<br />
<br />
— Quem de vocês moveu o ponteiro? Isso não tem graça, gente!<br />
— Não fui eu. — Cassidy disse, no que Ashley e Ebony concordaram. Assim como Hillary, todas elas tinham esperança de que aquilo não passasse de uma brincadeira sem graça.<br />
<br />
Mas, no fundo, todas elas sabiam que não era brincadeira, e que se algo estava movendo a<br />
tábua, não se tratava de nenhum fenômeno natural.<br />
<br />
Ashley tentava, a todo custo, manter-se corajosa diante da situação. Sua voz tremeu levemente quando ela voltou a falar, mas não era possível saber se o tremor era causado pela raiva ou pelo medo:<br />
<br />
— O que é isso, algum tipo de vingança? — Nada aconteceu. — Bem, nós não temos<br />
medo!<br />
<br />
O ar parecia mais pesado, o silêncio era perturbador, e a adrenalina corria no interior de cada uma delas, fazendo-as esperar o que elas nem mesmo sabiam se viria. De algum jeito, a calmaria apenas as deixou mais nervosas do que já estavam, e Ashley voltou falar,<br />
com a voz um oitavo mais alta:<br />
<br />
— Não temos medo de você, e nem nunca tivemos! A única coisa que já sentimos por você foi pena!<br />
<br />
A jovem mal tinha acabado de falar a última frase quando um baque surdo veio do fim do corredor. Uma porta – a julgar pela distância do som, a dos pais de Lucy – bateu, fazendo as garotas se sobressaltarem.<br />
<br />
— Está tudo bem. — Ebony falou, tentando se convencer mais do que às amigas. — Deve ter sido o vento.<br />
<br />
De repente, porém, nenhuma delas sentia mais tanta vontade de continuar com aquele jogo estúpido. Elas se entreolharam, como que se perguntando se deveriam desistir enquanto tinham tempo, mas o orgulho no olhar de cada uma falou mais alto. Iriam até o fim.<br />
<br />
— O que você quer? — Cassidy perguntou. No fundo, ela já sabia a resposta. Todas sabiam, mas, mesmo assim, viram o ponteiro se mover, letra por letra, até formar uma única palavra. Vingança.<br />
<br />
— Por quê? Nunca te fizemos mal. — Ebony falou.<br />
<br />
Elas aguardaram a resposta, temerosas. Talvez nem mesmo a tivessem. Talvez a pergunta fosse muito complexa para ser respondida através de um tabuleiro. Talvez tenha sido por isso que o ponteiro continuou parado, mas outra coisa tenha se movido.<br />
<br />
Se tratava apenas de uma caixinha de surpresa à manivela, e provavelmente tinha pertencido a Andy ou a uma Lucy muito pequena, mas tinha passado despercebida até então. A pequena caixa de madeira tombou para frente, sem razão aparente, fazendo com que sua tampa abrisse e o brinquedo no interior, um palhaço, saltasse para fora.<br />
<br />
As meninas viraram-se na direção do barulho, por reflexo, e o coração de cada uma delas acelerou consideravelmente. O vento poderia ter fechado a porta no fim do corredor, mas ali não havia vento algum, e não havia motivos para que o brinquedo caísse naquele momento. Permanecia tão intocado quanto estava quando elas entraram na casa, e nenhuma delas havia girado a manivela.<br />
<br />
— O que foi isso? — Hillary perguntou aos sussurros.<br />
— Você viu o que foi. — Cassidy respondeu, tão baixo quanto a amiga. — Viu tão bem quanto eu.<br />
<br />
Nenhuma delas sabia com certeza se o ar estava de fato mais gelado e pesado ou se elas que não estavam conseguindo respirar direito. Mas todas estavam bem conscientes do frio que subia pela espinha e do suor frio que corria pelas têmporas e nuca.<br />
<br />
Àquele ponto, não precisavam mais olhar umas para as outras para saberem que estavam com medo, e tampouco conseguiam esconder o sentimento, que as paralisava o suficiente para impedir que tirassem o dedo de cima do ponteiro do tabuleiro e que fazia com que elas começassem a sentir os efeitos da paranoia. Não sabiam mais os limites da linha fina que separa o real do imaginário.<br />
<br />
Quando entraram no quarto que um dia tinha pertencido a Lucy, as meninas acenderam a lâmpada, embora ela não estivesse funcionando muito bem, pelo período que passara apagada. Todas tinham plena consciência disso, mas nenhuma chegou a considerar a hipótese de ser um fenômeno natural no momento em que a luz diminuiu consideravelmente, piscando algumas poucas vezes.<br />
<br />
Embora todas tentassem esconder o pânico que as tomava, não estavam tendo muito sucesso. Mesmo Ashley, que tentava se mostrar corajosa, fazia o possível para esconder o tremor nas mãos. Ebony tinha o olhar inquieto, tentando capturar o que acontecia no quarto todo ao mesmo tempo. Cassidy tinha a respiração tão fraca que, por vezes, parecia nem mesmo respirar, e Hillary parecia à beira das lágrimas.<br />
<br />
E então, todas ouviram. Primeiro em volume baixo para depois aumentar gradativamente, como se estivesse se aproximando devagar, pé ante pé. O som de crianças rindo chegou aos ouvidos delas, fazendo seus corações baterem ainda mais descompassados. Uma lágrima solitária já corria pela bochecha de Hillary, mas ela nem ao menos parecia ter percebido quando perguntou:<br />
<br />
— Isso são só as crianças na rua, certo? — A voz da garota saiu estrangulada, mas firme o suficiente para que as outras a entendessem.<br />
— Eu gostaria de acreditar nisso. — Ebony respondeu, nervosa.<br />
— Por que está fazendo isso? — Ashley exigiu, com a raiva quase igualada ao medo em sua voz.<br />
<br />
Por um instante, elas tiveram a esperança de que tudo estivesse acabado. O quarto pareceu mais calmo, e o eco das crianças rindo diminuiu até sumir. Logo todas as esperanças caíram por terra, ao sentir o tabuleiro se mover, letra por letra, até formar uma nova palavra. Ódio. O indicador se movia para a última letra, para só então recomeçar a palavra outra vez, em um ciclo vicioso.<br />
<br />
Durante alguns segundos, elas chegaram a sentir falta das risadas. O silêncio que agora tomava o ambiente era, de longe, muito mais perturbador. Quase como mágica, o silêncio foi quebrado quase no mesmo instante, fazendo-as se sobressaltar.<br />
<br />
Cassidy tirou o celular do bolso de trás da calça, sem conseguir evitar um traço de medo no olhar. O nome de Josh, seu namorado, estava no visor, mas isso não serviu para inspirar confiança o suficiente na moça para que ela atendesse a ligação, e um olhar rápido para as amigas confirmou que elas também não atenderiam. Não confiavam em nada àquela altura do campeonato. O telefone tocou até cair na caixa de mensagens.<br />
<br />
As risadas infantis voltaram a ecoar, ao longe. As meninas respiravam fundo, tentando manter a calma, mas a cada segundo se sentiam mais perto de um ataque cardíaco. Aquele tique-taque já estava ali antes? Elas não se lembravam se o despertador esquecido em cima da mesa de cabeceira estava funcionando quando elas chegaram. Provavelmente<br />
não, mas agora estava. Elas mal haviam percebido o som baixo que o objeto fazia, quando ele disparou o alarme, fazendo-as dar um pequeno pulo no lugar onde estavam.<br />
<br />
Elas já sentiam como se fossem feitas de gelo, ao mesmo tempo em que sentiam frio e tremiam ao menor toque do ar em suas peles. O celular de Cassidy tocou de novo, e ela levantou uma mão trêmula para atendê-lo e colocá-lo no viva-voz, sem porém dizer nada.<br />
<br />
— Cassie? — A voz de Josh soou metálica. — Está tudo bem? Por que não atendeu antes?<br />
— Não… não posso falar agora, Josh. — Ela tentou falar alto para que o namorado ouvisse, mas sua voz saiu rouca e trêmula.<br />
— Cassie, o que está acontecendo? — Ele voltou a perguntar, preocupado. — Vocês foram,<br />
não é? Até a casa de Lucy!<br />
<br />
Cassidy se amaldiçoou por ter contado ao namorado do plano de ir com as amigas até a casa abandonada para jogar com um tabuleiro ouija. Não podia evitar que, no fundo de sua mente, sentisse um certo alívio por mais alguém saber onde elas estavam, caso algo acontecesse. Mas a garota simplesmente não estava com o emocional bom o suficiente para conversar com o namorado naquele momento.<br />
<br />
— Desculpe, Josh. Tenho que desligar. — Ela disse. Com a mão trêmula, porém, a garota precisou de algumas tentativas antes de acertar o botão de desligar, tirando o aparelho do<br />
viva-voz antes de conseguir.<br />
<br />
No mesmo instante, um antigo vaso de porcelana que decorava a cômoda se espatifou no chão, partindo-se em mil pedacinhos e tirando o fôlego das meninas. Hillary chorava cada vez mais, Ebony parecia estar se esforçando para não fazer o mesmo, Cassidy tremia descontroladamente e Ashley parecia à beira de um ataque de nervos.<br />
<br />
— Pare com isso! — Ashley gritou. — Pare de estragar mais as nossas vidas! Já nos sentimos culpadas o suficiente, ok? PARE COM ISSO!<br />
<br />
A garota levou as mãos até a cabeça, e emendou a última frase com um grito, ao mesmo tempo em que o espelho manchado rachou completamente, antes que seus cacos caíssem pelo chão, deixando a moldura e alguns cacos presos na mesma ainda intactos na parede, como se alguma coisa o tivesse atingido. Exceto que não havia nada nem ninguém ali para atingi-lo.<br />
<br />
Se antes as garotas gritaram de medo, agora gritavam de puro pavor, e lágrimas de desespero escorriam em meio aos berros.<br />
<br />
— Pare com isso, pare! — Ebony implorava, soluçando. Hillary chorava até mais que a amiga, não tendo mais forças para falar.<br />
— Cassie, o que está acontecendo? — A voz de Josh voltou a ecoar do telefone. O garoto se mantivera mudo, provavelmente tentando ouvir o que estava acontecendo do outro lado, mas agora estava claro que Cassidy não havia desligado direito o aparelho, devido ao nervoso que sentia. — Cassie, está me ouvindo? Estou aí perto, vou te buscar!<br />
<br />
Cassidy até tentou pegar o celular, largado de qualquer jeito no chão, para responder Josh. Se para pedir para que ele se apressasse ou para dizer que não se arriscasse a vir, nem ela mesma sabia. Mas ela mal havia pego o aparelho quando uma ventania repentina a fez perder o equilíbrio, bem como as outras garotas, e o celular caiu no chão, deslizando para debaixo da cama.<br />
<br />
Elas não faziam ideia de onde vinha o vento, mas a julgar tudo o que havia acontecido até então, estavam assustadas demais para querer saber. A porta se fechou com a pressão do ar, deixando-as trancadas no quarto, mas elas não conseguiam enxergar mais nada, com os cabelos batendo nos rostos e a poeira do quarto abandonado há dois anos entrando em seus olhos. Se fosse preciso, teriam que confiar em seus instintos, audição e tato.<br />
<br />
Depois do que pareceu uma eternidade, o som de algo batendo em madeira chegou aos ouvidos delas, abafado e longínquo, sendo seguido de um estrondo muito mais alto. Aquele barulho que parecia cada vez mais perto de onde elas estavam era de passos? Nenhuma delas confiava em sua própria mente mais.<br />
<br />
Então, como se apenas para confirmar se elas estavam ou não loucas, ouviram batidas na porta, insistentes e firmes.<br />
<br />
— Cassidy! — A voz masculina chamou. — Cassidy, vocês estão aí? Vamos, responda!<br />
— JOSH! — Cassidy gritou em resposta. O alívio que ela sentiu ao ouvir a voz do namorado era indescritível, e aparentemente as outras meninas sentiam o mesmo, uma vez que também gritaram, pedindo por socorro.<br />
— Não estou conseguindo abrir a porta, vou arrombar! — Ele avisou, logo antes de mais um baque surdo ser ouvido pelas garotas, e a porta tremer. O jovem precisou de mais algumas tentativas antes da porta finalmente ceder.<br />
<br />
No momento em que a madeira tombou e ele entrou no quarto, tudo parou. Tudo pareceu quase intocado, com exceção das cortinas flutuando levemente, e os cacos do espelho e do vaso no chão.<br />
<br />
As garotas estavam encolhidas, no chão, assustadas e exaustas. Levou alguns segundos para que elas entendessem que havia acabado, e quando a ficha caiu, elas levantaram,<br />
trêmulas. Cassidy correu para os braços de Josh e as outras olharam em volta, tentando entender o que acontecera.<br />
<br />
— Vamos embora daqui logo, pelo amor de Deus. — Ebony chamou, vacilante, indo em<br />
direção ao vão em que até então tinha estado a porta.<br />
<br />
Hillary acenou positivamente, tentando se recompor. Ashley, antes de ir, virou-se uma<br />
última vez para o quarto, furiosa:<br />
<br />
— Era isso o que você queria, não era? Nos assustar! — Ela perguntou para o nada. — Está feliz? Já cumpriu sua vingancinha, ou prefere continuar com esse jogo ridículo?<br />
<br />
Todos os presentes prenderam a respiração, nervosos, e mesmo a própria Ashley parecia ansiosa.<br />
<br />
— Vamos, diga! Podemos ir embora? — Ela questionou mais uma vez, com a voz regada de escárnio.<br />
<br />
Nada aconteceu, e ela chutou a tábua ouija com toda a força, mandando o jogo para o outro lado do quarto. Assim que o objeto atingiu a parede, ela se virou de volta para a saída, e seguiu junto com os outros, pronta para ir embora. Agora que tudo estava, enfim, terminado, eles poderiam seguir do jeito que seguiam antes: vivendo uma vida fútil, aproveitando o resto da noite de Halloween, e mantendo distância de Lucy Hering e sua casa.<br />
<br />
Nenhum deles se virou para ver o tabuleiro jogado de qualquer jeito, com o ponteiro<br />
mostrando incessantemente a mesma palavra: “não”.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-24512608106091490252014-11-01T16:13:00.000-07:002014-11-01T16:13:39.582-07:00Shoot Love<br />
A mulher fechava o sutiã, virada de costas para a cama. A calça já estava vestida, embora o zíper e o botão ainda estivessem abertos. O cabelo bagunçado insinuava que ela havia acabado de acordar, mas a face afogueada e o olhar afobado entregavam o que ela realmente estava fazendo há apenas alguns minutos.<br />
<br />
Ela deu alguns passos para a frente, vencendo a distância entre a cama e a enorme janela do quarto, todo decorado de modo minimalista, em tons de preto, branco e prateado. Com um movimento rápido, ela afastou as cortinas, olhando para o horizonte colorido de laranja e a luz do sol da tarde invadiu o quarto. Então, desviou o olhar para baixo, sabendo que ninguém poderia vê-la de roupas íntimas. Não da altura em que estava, de onde os carros que passavam na rua movimentada pareciam de brinquedo.<br />
<br />
— Bom. O sol ainda não se pôs. — Ela comentou, de modo vago. — Não vou me atrasar para o jantar com Steven.<br />
<br />
O comentário foi aleatório, mas ela só se tocou do impacto que poderia causar depois que já havia falado. O homem, ainda deitado na cama, esfregou o rosto, cansado.<br />
<br />
— Isso não pode continuar assim, Donna.<br />
— E o que quer que façamos, Michael? — Ela retrucou, exasperada. — Já conversamos sobre isso! Não posso simplesmente acabar tudo com Steven, não depois de cinco anos de relacionamento sério.<br />
<br />
Michael não respondeu, mas ela percebeu a linha do maxilar dele tornando-se mais rígida, e soube que a resposta não o agradou. Ela emendou, com voz amorosa e ligeiramente triste:<br />
<br />
— Mas também não posso perder você.<br />
<br />
Ele permaneceu em silêncio, mas levantou-se, ainda de cueca, e se dirigiu ao banheiro da suíte. No caminho, recolheu a blusa de Donna, jogada de qualquer jeito no chão, e atirou na direção dela.<br />
<br />
Fez o possível para se demorar no banheiro, embora só fosse lavar o rosto. Aquilo não estava certo, e precisava acabar. Mas seria muito mais fácil se não estivesse tão ligado a Donna, ele pensou, esfregando os olhos e encarando seu próprio reflexo no espelho.<br />
<br />
Michael nunca achou que fosse do tipo capaz de trair alguém. Ainda assim, se encontrava naquela situação revoltante até mesmo para ele. Ainda que não conhecesse Steven – noivo e, dali a alguns meses, marido de Donna – sentia como se estivesse traindo-o tanto quanto a noiva infiel que ele tinha.<br />
<br />
Em sua defesa, podia afirmar que tanto ele quanto Donna tentaram evitar o relacionamento proibido a todo custo. Mas as defesas são valeriam de nada, ele sabia. Não importava o quanto tivessem resistido, o fato é que cederam.<br />
<br />
Ele tinha plena consciência de que estava no banheiro há apenas alguns minutos, mas o peso em sua consciência fazia parecer horas. Quando voltou ao quarto, Donna já estava inteiramente vestida, e arrumando algo em sua bolsa, apoiada na cama desarrumada.<br />
<br />
A mulher levantou-se e virou em sua direção, com um sorriso afetado. Ele podia perceber no olhar dela que estava tão perdida quanto ele próprio. Já haviam conversado sobre a situação dos dois milhares de vezes, mas a cada vez que o faziam, pareciam prender-se um ao outro mais do que já estavam presos antes.<br />
<br />
Michael não se moveu, permanecendo encostado no batente da porta do banheiro, e Donna o encarou por alguns instantes, parecendo sem saber o que fazer. Por mais que estivesse aparentemente calma, era possível ver em seu olhar a preocupação e a culpa. Tomando uma decisão silenciosa, enfim, ela moveu-se até o amante com passos rápidos, depositando um beijo no canto de sua boca, e então se dirigiu até a sala do apartamento, murmurando uma despedida apressada.<br />
<br />
Pouco depois ele ouviu a porta de entrada fechando, e o clique baixinho da fechadura. Suspirando alto, o homem sentou na beira da cama, esfregando o rosto de forma cansada, e então jogando-se para trás, até estar deitado.<br />
<br />
Aquilo estava acabando com ele. E com Donna também, ele tinha certeza, por mais que ela tentasse se mostrar indiferente ao assunto. Isso, claro, quando se permitia sair do pequeno e quase perfeito mundo de vidro que ambos criaram e falar sobre a realidade muito mais repugnante da qual fugiam.<br />
<br />
Paradoxalmente, Michael jamais poderia se dizer arrependido da relação que mantinha com Donna, mas amaldiçoava o dia em que se conheceram. Não parecia ter se passado mais do que dois ou três dias desde então, mas ele sabia que já estavam juntos há quase seis meses. Ainda assim, ele se lembrava perfeitamente de quando a conheceu em um bar, de como tudo não parecia passar de uma diversão de uma noite regada a bebida, e de como, no dia seguinte, nenhum dos dois resistiu em ligar, querendo mais um encontro proibido.<br />
<br />
Os encontros, pouco a pouco, se tornaram cada vez mais frequentes, ao ponto dele arriscar dizer que conhecia o corpo de Donna tão bem quanto o noivo da mulher. E, apesar de o tempo que passavam juntos ser principalmente focado no contato físico, por várias vezes eles discutiram que atitude tomariam em relação ao seu envolvimento.<br />
<br />
Por mais que Donna não fosse capaz de usar essa palavra para se descrever, Michael sabia que ela era romântica. Não teria coragem de terminar uma relação de anos com o noivo, especialmente sabendo o quanto ele a amava. Michael, por sua vez, não teria coragem de deixá-la ir. Não sabia como nem porquê, mas estava preso a ela como jamais esteve preso a algo ou alguém antes. E foi assim, mantendo as duas relações, que ela matou o amor, pouco a pouco.<br />
<br />
O problema de Donna talvez fosse valorizar demais o amor. Michael sabia que ela o amava, e ele a amava com mesma intensidade, se duvidar até mais. Mas ela também amava o noivo, ainda que não da forma que deveria. E valorizava demais o amor que Steven tinha por ela, o suficiente para que não tivesse coragem de acabar a relação.<br />
<br />
E se por um lado o pecado de Donna era compreensível, o dele era inaceitável. Puro egoismo, ele sabia. Estava destruindo, por puro capricho, um namoro de anos. Sentia-se como duas almas diferentes habitando o mesmo corpo. Uma queria desesperadamente fazer a coisa certa, abandonar aquele relacionamento caótico antes que causasse mais estragos. A outra, porém, ignorava tudo isso em nome de poucas horas ao lado da mulher que queria mais que tudo.<br />
<br />
Desistindo de apenas ficar na cama remoendo o que no momento não podia ser mudado, Michael levantou-se, e estava a meio caminho da janela quando pisou em algo que não havia reparado estar caído no tapete. O homem não pode evitar um sorriso irônico ao abaixar-se para pegar o pequeno objeto. O anel de noivado de Donna.<br />
<br />
Ele nunca havia entendido o porquê da mania dela de tirá-lo em todos os seus encontros, uma vez que ambos estavam bem conscientes do status de relacionamento da moça. Mas, de qualquer forma, ela o tirava, e aparentemente naquele dia havia deixado cair de sua bolsa, quando se arrumava para ir embora. Ela deveria ter tido mais cuidado. As chances de que Steven não percebesse a ausência da joia eram quase nulas, e Michael não fazia ideia do que Donna faria para se justificar ou redimir. Ou talvez soubesse muito bem.<br />
<br />
Balançando a cabeça e abafando um risinho de escárnio, ele guardou o anel na gaveta do criado-mudo, onde lembraria de procurar e devolver para a dona assim que ela viesse vê-lo mais uma vez. Michael sentia-se horrível por pensar naquilo, mas não podia evitar uma pequena pontada de esperança no coração de que, da próxima vez que Donna viesse, não precisasse mais do anel, e nem de sigilo nenhum.<br />
<br />
Afinal de contas, apenas naquele momento, a parte dele que não dava a mínima importância para o quão errado era aquilo tudo estava no controle, e aquela mesma parte era tão fraca quanto determinada. Ao menos, era determinada o suficiente para não deixá-la ir, do mesmo modo que ela não o abandonaria. Juntos, eram tão fortes quanto dependentes um do outro. Não poderiam se deixar ir embora, não quando ficavam tão perdidos, quando separados. Não quando juraram, inconscientemente, estarem juntos não importasse o custo. Não quando eram escravos do amor que matavam pouco a pouco.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-11238862184903747632014-06-23T14:01:00.000-07:002015-08-13T10:35:18.989-07:00Come little children<br />
She sings before sleep<br />
Her own lullaby<br />
She sings with her whole heart<br />
So she won't cry<br />
Sing it, little princess<br />
All the monsters still hide<br />
Don't sing too loud<br />
And you'll can dream at night<br />
<br />
He cries before sleep<br />
Every single day<br />
Nobody never sings for him<br />
He can't forget his fate<br />
Soldiers shouldn't cry, little boy<br />
I know you can be so brave<br />
I'm so sorry<br />
You will never escape<br />
<br />
She lives in a fairytale<br />
And dances all the songs<br />
While he lives in a battle<br />
In silence and all alone<br />
She asked him:<br />
“Are you made of stone?”<br />
He finally said:<br />
“I don't wanna go home.”Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-79383182580618790042014-06-04T18:07:00.000-07:002014-06-04T18:07:01.717-07:00Diário de Vanessa<br />
O dia clareou<br />
O sorriso falso voltaria<br />
O pensamento, porém, não mudou<br />
Ainda estaria escuro<br />
<br />
Se não fosse agora<br />
<br />
Pelas palavras que escreveria<br />
Com tristeza e comoção<br />
No diário de Vanessa<br />
<br />
Ela não aguentava mais<br />
Embora ainda fosse forte<br />
E a teimosia fosse sua marca<br />
Precisaria de alguém<br />
<br />
Se não fosse agora<br />
<br />
Pelas palavras escritas<br />
Com capricho e devoção<br />
No diário de Vanessa<br />
<br />
Passaram-se dias<br />
Parou de sorrir<br />
Precisava descansar<br />
O cansaço venceria<br />
<br />
Se não fosse agora<br />
<br />
Pelas palavras gravadas<br />
Com rancor e frustração<br />
No diário de Vanessa<br />
<br />
Ninguém a via<br />
Não saia mais de casa<br />
Nada a motivava<br />
O tempo passaria mais rápido<br />
<br />
Se não fosse agora<br />
<br />
Pelas palavras arrastadas<br />
Com cansaço e desorganização<br />
No diário de Vanessa<br />
<br />
Talvez ele pudesse ajudar<br />
Tinha um bom coração<br />
Tudo parecia mais simples<br />
Ela até saberia pedir ajuda<br />
<br />
Se não fosse agora<br />
<br />
Pelas palavras escassas<br />
Com tédio e afetação<br />
No diário de Vanessa<br />
<br />
Calou-se a voz<br />
Chegou a calmaria<br />
Chorariam a tristeza e o choque<br />
Em breve seria esquecida<br />
<br />
Se não fosse agora<br />
<br />
Pelas palavras imortalizadas<br />
Com sentimentos e redenção<br />
No diário de Vanessa<br />
<br />
Ele queria ter ajudado<br />
Esperava tê-la conhecido<br />
Esperou demais<br />
Jamais a veria de novo<br />
<br />
Se não fosse agora<br />
<br />
Pelas palavras que leria<br />
Com saudade e devoção<br />
No diário de Vanessa<br />
<br />
A raiva contida<br />
A tristeza sufocante<br />
A avalanche de sentimentos<br />
(dela)<br />
Que ele jamais entenderia<br />
<br />
Se não fosse agora<br />
<br />
Pelas palavras rabiscadas<br />
Com pressa e confusão<br />
Um adeus à depressão<br />
No diário de VanessaAnonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-52431778974343401092014-05-31T22:21:00.001-07:002014-05-31T22:21:26.147-07:00Das coisas que eu ainda odeio em você<br />
Odeio esse seu sorriso torto<br />
E como ele nunca é pra mim<br />
Também confesso meu desconforto<br />
Quando duvido dos motivos dele existir<br />
<br />
Detesto seu olhar perdido<br />
Simplesmente por querer encontrá-lo<br />
E saber tudo que podia ser sentido<br />
Tanto por mim, quanto por ti<br />
<br />
Odeio essa sua indecisão<br />
Porque de paradoxo já basta eu<br />
Diga-me logo, sim ou não?<br />
Cansei de não saber<br />
<br />
Odeio tudo isso e muito mais<br />
No fundo, amo tanto quanto odeio<br />
(só não admitirei jamais!)<br />
Ao menos, não em voz alta<br />
<br />
Das coisas que eu odiava em você<br />
Odeio em mim também<br />
Acho que não é clichê<br />
Mas nem quero mais saber<br />
<br />
Parte de mim ainda tenta entender<br />
Repasso tudo o que houve<br />
Em vez de tentar esquecer<br />
Quanta estupidez!<br />
<br />
Não sei sobre o futuro<br />
E já tentei esquecer o passado<br />
Mas não consegui, eu juro<br />
Só tenho uma certeza<br />
<br />
Ainda não teve um final<br />
Não sei como ele será<br />
E nem qual seria o ideal<br />
Cansei de adivinhar, um dia saberei<br />
<br />
Assim como ouvi dizer,<br />
Uma vez em uma canção,<br />
“Então vamos viver<br />
E um dia a gente se encontra”Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-44128154915770720082014-05-18T23:35:00.000-07:002014-07-09T21:36:12.358-07:00Querida Raine<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;"><br /></span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">Dessa
vez não me demorarei muito, ou ao menos não pretendo. Nem mesmo sei
se chegarei a te enviar essa carta, um dia. Ao menos no momento, não
é nada mais do que um desabafo meu. Você sabe que falar sozinha
nunca me pareceu uma declaração de loucura, mas isso não está mais
funcionando comigo. Enquanto falo comigo mesma, meus pensamentos
apenas se embolam ainda mais.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">Sabe,
sinto que as coisas continuam mudando. E rápido. Mesmo assim, quando
paro e olho ao meu redor, tudo parece desesperadoramente igual. Isso,
na verdade, acho que só prova o quanto mudei; desde quando mudanças
me parecem necessárias, e não assustadoras?</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">Cheguei
a um ponto em que não sei mais o que me faz bem. Gostaria de falar
mais contigo, mas nossa facilidade para manter uma conversa parece
estar se esvaindo pouco a pouco, bem como com Sophie. É claro que
isso não quer dizer que gosto de vocês com menos intensidade do que
gostava antes, mas é um fato perturbador. Acho que nem mesmo te
contei de Charlie, não é mesmo? Só prova o quanto nos afastamos.
Bem, não importa, eu não deveria mais falar sobre ele ou tudo que o
envolve.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">Lembra-se
de como costumávamos olhar o céu, durante a noite? Era minha
terapia favorita, junto com as cores. Hoje em dia, porém, não
funciona tão bem assim, e te juro, me parte o coração admitir
isso. É claro que nem tudo mudou completamente. Sempre terei as
estrelas, e as estrelas sempre terão a mim. Mas não é como antes.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">E,
em meio às minhas preocupações sobre mudanças – ou a ausência
delas –, ainda me pergunto se sou anil. Pode rir, e eu também
riria, se para mim não fosse tão trágico. Mas, entenda: ao me
perguntar isso, me pergunto se eu mesma mudei tanto assim. Quero
dizer, tudo isso são apenas mudanças bobas ou minha essência
também mudou? É difícil dizer tudo que ficou para trás. Acho que,
aos poucos, nos esquecemos dos detalhes do que tínhamos ou de quem
éramos. </span>
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">Está
vendo? Fiz mais uma vez. Disse que não ia me demorar muito, mas aqui
estou, com outra carta mais longa que o necessário. Pelo menos isso
tenho certeza de que não mudou. Desculpe-me, acho que vou parar por
aqui. Inclusive, algo que reparei mudar em mim: eu não sinto. Não
como antes. Ainda não decidi se isso é bom, mas ao passo em que
antigamente eu sentia demais, hoje sinto de menos, durante a maior
parte do tempo. É claro que isso talvez seja só influencia de
Kallisto, afinal, você sabe que eu sempre acreditei que as manias de
outras pessoas são tão contagiosas quanto doenças. Mas acho que
você não poderia concordar ou descordar, uma vez que também não
conhece Kallisto…</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">Ainda
não me decidi se lhe mandarei ou não esta carta mas, por via das
dúvidas: é bom falar contigo de novo, e espero que não se importe
com o desabafo mal contido e mal explicado. Quem sabe podemos
conversar melhor qualquer dia desses? Continuo sentindo sua falta. E,
por favor, cuide-se, sim? Eu cuidaria de você, se pudesse, mas no
momento mal posso cuidar de mim.</span></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">Daquela
que ainda não se adaptou às mudanças,</span></div>
<br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Segoe UI, serif;">Lyra</span></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-24564223874658367172014-05-14T20:16:00.003-07:002014-05-14T20:16:44.803-07:00Sobre a morte que nos separa<br />
— É engraçado como as coisas mudam em tão pouco tempo, né, irmão? — O garoto comentou, sozinho, e em voz baixa. — Há alguns meses, tudo era tão diferente. Uma pena que as coisas não deram certo.<br />
<br />
Ele parou, esperando uma resposta que não veio. Tudo estava no mais perfeito silêncio, e se não fosse por ele e pelo ritmo constante de sua respiração, tudo estaria como se congelado no tempo. Nem mesmo o vento – no momento inexistente – movia as folhas das várias árvores ali.<br />
<br />
O jovem não devia ter mais de 17 anos, mas algo em sua expressão indicava que ele entendesse da vida como um adulto. Talvez ele só tivesse a sorte de parecer mais maduro do que era, ou talvez a vida tivesse o obrigado a ver as coisas de forma mais realista. Uma pena que nem sempre aprendemos a viver no tempo certo. Às vezes, aprendemos mais rápido do que deveríamos.<br />
<br />
— Sinto sua falta. — Ele confessou, em voz baixa.<br />
— Eu sinto, também. — A voz feminina ecoou ali perto, tão baixa quanto um sussurro, mas, mesmo assim, ele se sobressaltou.<br />
<br />
A menina estava encostada numa das árvores mais altas por ali, perto de onde ele próprio estava. Ele não a viu chegar, e logo entendeu porquê. Ela se moveu em silêncio, provavelmente da mesma forma que havia chegado ali, e se aproximou.<br />
<br />
Nenhum dos dois disse mais nada. Ele, num silêncio constrangedor. Ela, num silêncio calmo. Ambos, porém, doloridos. A menina sentou-se ao lado do jovem, abraçando as próprias pernas, e com a cabeça apoiada nos joelhos.<br />
<br />
— Era amiga dele, também? — O garoto perguntou, timidamente. Ele a olhou pelo canto dos olhos, mas ela nem mesmo se moveu.<br />
— Prima.<br />
— Sinto muito. — Ele voltou a falar, e permaneceram um momento em silêncio. — Quer que eu a deixe sozinha?<br />
<br />
Ela o olhou. Seu rosto não tinha emoção alguma, com exceção de um traço de curiosidade no olhar. Por algum motivo, ele se sentiu incomodado com a avaliação rápida que ela fazia.<br />
<br />
— Não é como se ele pudesse responder alguma tentativa de conversa.<br />
<br />
Ela não falou mais nada, mas manteve o contato visual. O jovem a olhou ainda mais sem graça do que já estava, e não sustentou o olhar da moça muito tempo. Ele voltou a olhar o túmulo de mármore na frente da qual estavam sentados, e em breve a menina fez o mesmo.<br />
<br />
— Foi você quem as trouxe? — Ela perguntou, indicando com a cabeça o buquê de flores do campo pousado ali em cima.<br />
— Sim. Um bocado afeminado, não é? — Ele respondeu, com uma risada anasalada e voz um tanto quanto amarga.<br />
— Não. São bonitas, mas inúteis. — A menina opinou, antes de completar com a voz mais baixa: — Ele não pode mais sentir o perfume que elas exalam.<br />
<br />
O jovem considerou por um momento, e o silêncio entre eles voltou a reinar. Reparando bem, ele podia ver a tristeza escondida nos olhos dela, mesmo com a atitude serena. Não a forçaria a falar, apesar de tudo. Sabia como ela estava se sentindo, apesar do fato de que essa era a única coisa que sabia a seu respeito.<br />
<br />
<br />
— Preciso ir. — Ele comentou ao olhar o relógio de pulso, no fim de longos minutos em que não falaram mais nada. — Se demorar mais um pouco, vou me atrasar para buscar minha irmã mais nova.<br />
<br />
A menina não o olhou enquanto o garoto se levantava, apenas acenou positivamente com a cabeça, e ele se sentiu um tanto quanto idiota por dar explicações a uma desconhecida.<br />
<br />
— Fique bem. Ou ao menos tente. — Ele se arriscou a dizer. — Não acho que Logan gostaria de ver qualquer um que o conhecesse triste.<br />
<br />
A jovem acenou minimamente com a cabeça, e ele deu as costas, em direção aos portões de ferro do cemitério. Achou ter visto os olhos dela ligeiramente úmidos, mas se ela precisasse desabafar de algum modo, o melhor seria que fosse sozinha, e não na presença de um estranho.<br />
<br />
— Obrigada.<br />
<br />
Ele a ouviu sussurrar enquanto se afastava, mas não voltou. De qualquer forma, não saberia dizer se ela agradecia a ele, ou se estava se dirigindo ao túmulo do primo, jovem demais, e que nem mesmo teve a chance de aprender a viver.<br />
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-67617972367957471682014-02-08T16:59:00.001-08:002014-02-08T17:01:18.275-08:00Como todos os dias de um passado distante<br />
As calçadas movimentadas pareciam vazias enquanto ele andava, olhando para seus próprios pés. Não porque tinha a importância de um rei ou algum soberano e as pessoas abriam caminho para sua passagem, e sim porque ele não se importava com quem estava ao seu redor. Era quase impossível contar em quanta gente ele tinha esbarrado, e recebera um xingamento em resposta, mas ele não ligava, e mal ouvia o que lhe era dito ou sentia os empurrões que recebia. Ele simplesmente andava, sem ligar para mais nada.<br />
<br />
Era irônico como tudo mudava de acordo com seu humor, ainda que talvez seja assim com todos. Quando se está feliz, o mundo parece lhe sorrir de volta, mas quando se está de mau humor, tudo que se recebe em troca são xingamentos e esbarrões numa calçada cheia em uma cidade qualquer.<br />
<br />
No bolso de seu sobretudo, o papel e a caneta pesavam mais do que pesaria uma arma. Com dificuldade, saiu do meio da pequena multidão que circulava na rua, e entrou em um café. Havia frequentado aquele local poucas vezes, e agora que voltara depois de tanto tempo, a nostalgia lhe atingia como um vento cortante do inverno.<br />
<br />
Ainda não tinha se acostumado a não vê-la sentada ali, na mesma mesa de sempre. Se fechasse os olhos, ou ao menos se concentrasse um pouco mais, sabia que poderia enxergá-la, com os cabelos acaju soltos sobre os ombros, e os óculos com armação azul e quadrada refletindo a tela do notebook.<br />
<br />
Pediu um cappuccino, com dose extra de açúcar, e mesmo depois da bebida já estar à sua frente, juntamente do papel e da caneta, ele parecia esperar algo que jamais chegaria. Esfregou os olhos, cansados. Sentia-a tão perto de si que quase doía.<br />
<br />
Depois de respirar fundo, começou a escrever, quase entrando numa espécie de transe. Escrevia sobre tudo que pudesse pensar a respeito dela, mesmo aquilo que nunca diria se estivessem frente a frente. E, bem, talvez se o tivesse dito, não precisaria escrever agora, porque talvez, se tivesse dito tudo o que pensava, ela não tivesse ido embora.<br />
<br />
O tempo parecia ter corrido mais depressa que o normal enquanto ele estava preso em seu mundo particular de memórias, e quando finalmente terminou de escrever, recostou-se na cadeira, suspirando. Ao reparar no copo ainda intocado de cappuccino, riu suavemente, percebendo como tudo aquilo era irônico. Havia acabado ali, bem onde sua história havia começado, onde havia conhecido-a. Justo ela, que sempre teve mais medo de mudanças do que ele sempre teria.<br />
<br />
Ah, se soubesse que, se a ajudasse a superar os medos, ela fugiria dele, assim, sem pena! Ele confessaria, sem um pingo de pena, que não a ajudaria.<br />
<br />
Uma vez lhe disseram que cílios, estrelas cadentes e velas de aniversário realizavam pedidos, bem como cartas atiradas ao vento, e ele acreditara, como também acreditara que o mundo era um lugar bom. Há muito ele deixara de acreditar em tudo isso, e até se acostumou a viver numa versão mais escura do mundo que criara pra si mesmo. O problema é que agora chegara ao ponto de voltar a acreditar em tudo isso, como última esperança que a fizesse voltar.<br />
<br />
Mas como poderia atirar uma carta ao vento com a chuva que caía lá fora? Não poderia. Talvez seja um sinal de que não devo fazer isso, ele pensou, olhando os garranchos escritos rapidamente no papel. Talvez, só talvez, ele devesse seguir seus próprios conselhos e vencer o medo que um dia também fora dela. Tudo que precisava fazer era aceitar que ela tinha ido embora. Rotina não existia mais no vocabulário dela, e precisava voltar a sumir do dele. Nada acontece duas vezes da mesma maneira, nada voltaria a ser do mesmo jeito como todos os dias de um passado distante.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-9325628622561262392014-02-06T12:31:00.001-08:002014-02-08T17:01:01.776-08:00Aprendiz da solidão<br />
Os primeiros raios de sol passavam pela janela do quarto, e iluminavam de forma suave o rosto do jovem adormecido. Nora mantinha-se afastada da luz, sentada numa poltrona no canto do quarto, com os pés sobre o assento e abraçada aos próprios joelhos. Victor acordaria logo.<br />
<br />
Ela suspirou de cansaço, embora não tivesse sono. Passara a noite toda acordada, mas ainda assim não sentia um pingo de sono que fosse. Tudo bem, era certo que nenhum dos dois tinha ido dormir cedo, mas do mesmo jeito, as horas de sono perdidas não foram suficientes para fazê-la chegar a alguma conclusão.<br />
<br />
Aquilo estava acabando com ela. Estava acostumada a contar com a ajuda de Victor para resolver qualquer problema que fosse, mas o que deveria fazer uma vez que o problema era o próprio Victor? Ela nem mesmo havia percebido quando as coisas começaram a mudar e se complicar tanto, mas aqui estava ela.<br />
<br />
A verdade era que, enquanto muitos diziam estar entre a cruz e a espada quando numa situação difícil, Nora sabia que estava entre duas espadas com lâminas afiadas; não importa o movimento que fizesse, sairia machucada.<br />
<br />
Na primeira das opções, machucaria Victor depois de tantas juras de que ficariam juntos, e magoá-lo doía tanto nela quanto nele, apesar de tudo. Na segunda opção, ele estaria feliz, mas ela não sabia se poderia viver ignorando seus próprios sentimentos. Mas, de qualquer forma, já estava detestando a si mesma naquele momento.<br />
<br />
Nunca se sentira tão sozinha na presença de outra pessoa, ainda mais de alguém que outrora a conhecia tão bem quanto ela mesma. Nora não sabia quando as coisas tinham mudado, mas ela simplesmente não podia mais suportar aquilo. Não podia passar o resto de seus dias fingindo que tudo estava bem, mas como poderia criar coragem para falar tudo o que pensava?<br />
<br />
Enquanto não chegava a uma conclusão, empurrava os problemas para algum canto escuro da mente, onde talvez pudesse esquecê-los. Um pouco como o que fazia agora, encolhida no canto mais escuro do quarto, com esperanças de ser esquecida também.<br />
<br />
Ela suspirou baixo, com cuidado para não acordá-lo. Se odiava por deixá-lo de lado desse jeito, como um problema qualquer, e nem mesmo deixá-lo perceber isso. Com cuidado e silêncio redobrados, levantou-se da poltrona. O sol estava mais alto agora.<br />
<br />
Sentindo pela primeira vez que estar sozinha a machucaria menos do que estar com Victor, Nora saiu. Sem saber quando voltaria, ou mesmo se voltaria. Só sabia que se sentia menos sufocada nesse momento do que no último mês. A solidão a dois estava matando-a, pouco a pouco.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-32271031470831867032014-01-26T15:54:00.003-08:002014-02-08T17:00:46.606-08:00Canção do Mar<br />
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #999999; font-size: x-small;">Wish my mother could hear it</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #999999; font-size: x-small;">The sea is my song</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #999999; font-size: x-small;">For a moment, just a moment</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #999999; font-size: x-small;">I belong</span></div>
<br />
<br />
<br />
Como Ismália que um dia quis a lua<br />
Ariana queria o mar<br />
Não sabia como nem porquê<br />
Apenas sabia<br />
Que aquele era seu lar<br />
Para o mundo da qual vinha<br />
Não pretendia revir<br />
Apenas fechou os olhos<br />
E até no fundo de sua alma<br />
A água pode sentir<br />
O ar que lhe faltava<br />
Jamais voltaria<br />
E enquanto a distância aumentava<br />
A respiração diminuía<br />
A duvida a cutucava<br />
Bem no fundo da mente<br />
Parecia tão errado<br />
O sol a incomodava<br />
Era tão quente!<br />
O azul do oceano<br />
Agora era negrume<br />
A canção aumentava o volume<br />
E seus ouvidos aumentavam a pressão<br />
Se o sol lhe feria<br />
E o mar a matava<br />
Onde pertencia, então?Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-72817904189340681032014-01-05T14:08:00.000-08:002014-01-05T14:08:14.269-08:00We are young<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">Give me a second I</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">I need to get my story straight</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">My friends are in the bathroom</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">Getting higher than the empire state</span></div>
<br />
<br />
<br />
<br />
A música ecoava a todo volume na casa lotada. A regra dos anfitriões era clara: não vão para o segundo andar. Mas é claro que não se pode controlar uma casa cheia de adolescentes e sem a supervisão de um adulto.<br />
<br />
De todas as festas que já haviam sido dadas naquela casa, aquela estava longe de ser a pior, mas isso não é o mesmo que ser considerada uma festa devidamente controlada, calma e puritana. Acredito, se permitem minha humilde opinião, que qualquer pessoa com o mínimo de senso de limite teria se horrorizado diante de toda a cena. É sempre surpreendente o que adolescentes são capazes de fazer quando em estado de êxtase, e a felicidade era presente em todos os cômodos do sobrado. Ou quase todos.<br />
<br />
Ela estava trancada no único quarto não ocupado de toda a casa, grande, decorado com cores claras e uma cama de casal. Provavelmente era o quarto dos pais dos dois jovens que davam a festa naquele exato momento. Ela não fazia ideia de como ambos explicariam o estrago que provavelmente sobraria depois, mas eles encontrariam algo. Pessoas de mente forte são boas fazendo isso, livrando-se bem de situações das quais outras pessoas sairiam arrependidas e envergonhadas.<br />
<br />
Ultimamente, Juliet Reed andava pensando bastante nas outras pessoas. O suficiente para que tentasse, uma última vez, fazer amigos, mas sempre fora uma negação para isso. Durante toda a vida, ela nunca conseguiu entender a mentalidade de pessoas da sua idade. Tinha alma de velho, era o que diziam, mas dessa vez havia conseguido manter algumas pessoas próximas por um tempo consideravelmente longo. É óbvio que isso não é o mesmo que se sentir inclusa. Não importa o quanto tentasse, jamais conseguiria se enturmar, fosse entre os jovens ou entre os adultos.<br />
<br />
Sabia que não devia ter ido. Agora estava sozinha, mais uma vez. Seus “amigos” deviam estar em algum outro canto do duplex, bebendo, fumando ou fazendo qualquer outra coisa da qual ela nunca se orgulharia de dizer ter participado. Porque, afinal, ela nunca participara. Esteve sozinha naquele quarto por tempo suficiente para revirar todo o cômodo. Era uma suíte bonita, com uma boa visão do jardim. Aquele lugar não era para ela. Talvez só devesse ir embora. Era algo que ela sempre pensara, desde quando podia se lembrar. Afinal, viver era para os felizes, não era? Ela nem mesmo sabia o que era felicidade! Talvez estivesse entre os cigarros fumados pelos presentes na festa, talvez estivesse no fundo das garrafas de bebida. Talvez não estivesse em lugar algum. Talvez estivesse no ar e só pudesse ser sentida pelos que sabiam apreciar os pequenos detalhes, mas ela se sentia tão sufocada…<br />
<br />
Abriu a janela, mas não ajudou. O som ecoava longe, agora. Algo sobre ser jovem. Irônico, se fosse considerado quem ela era. Sentou-se no parapeito, e isso tampouco a ajudou a respirar melhor. Mas ela não se importou, pois nunca mais lhe diriam que ela não pertencia àquele lugar, e nunca mais ela se sentiria deslocada. Juliet podia ter a alma de uma pessoa idosa, mas sua aparência era de alguém jovem. E se permanecesse assim, talvez fosse aceita, ou menos estaria presente na memória das pessoas. Seria jovem para sempre. Ela pulou.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">So if by the time the bar closes</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">And you feel like falling down</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">I'll carry you home tonight</span></div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-42943574577892943932014-01-02T09:32:00.002-08:002014-01-05T14:08:47.955-08:00This is Home<br />
A porta do carro foi batida com força, logo após a adolescente sair, pisando duro e exalando raiva. O pai saiu do lado do motorista logo após, com uma mistura de ira e decepção. Nenhum deles me viu. Nenhum deles me sentiu. Não até agora.<br />
<br />
Ele gritou mais alguma coisa para ela. Acho que vieram todo o caminho para casa aos berros. A essa altura, eu podia ver o traço brilhante que as lágrimas deixaram no rosto dela. Nenhum dos dois lembrou-se de pegar a mala da garota, jogada de qualquer jeito no banco traseiro. E nem eu lembrei, na verdade. Estava muito ocupado tentando identificar a causa das lágrimas. Raiva? Frustração? Ou a clássica tristeza? Ou, vai ver, eu sou o causador.<br />
<br />
Oh, perdoe minha falta de educação, não me apresentei! Eu sou o Amor. Imagino que, como várias outras pessoas, você imaginava que uma figura feminina representasse meu sentimento. E é, às vezes. Você sabe, sentimentos podem muito bem assumir a forma que bem desejam, mas se assumíssemos nossas verdadeiras formas, com certeza não poderíamos ser discretos como devemos, em certos casos, e sob forma humana, seríamos tão velhos quanto possível. E que credibilidade com as pessoas teríamos, assim? As pessoas tem o péssimo hábito de não valorizar o que é velho, que tem histórias para contar.<br />
<br />
Nesse momento, não passo de um adolescente, assim como ela. Nem mesmo sei o seu nome. Tenho ordens de não me envolver demais nas histórias que crio, mas é impossível, às vezes. Ainda lembro-me bem do desastre em que terminou Romeu e Julieta, ou mesmo Cyrano e Roxane. Acho que essa se chama Sofia. Ainda com o pai gritando coisas horríveis que eu não me importava em entender, ela olhou para o outro lado da rua. Bem para onde eu estava. Certamente não me reconheceu, e talvez tenha pensado que sou apenas um parente ou amigo de seu vizinho. Ela não me reconheceu, mas eu entendi, finalmente. Acho que as lágrimas eram de tristeza, afinal.<br />
<br />
Ela entrou em casa. Casa. Palavra estranha diante toda essa situação. Veja bem, eu sei que todos me veem como O Mais Bonito dos Sentimentos, ou ainda O Sentimento que Move o Mundo. Mas as coisas não funcionam assim. É claro que também não sou perigoso, e tampouco obrigo as pessoas a fazerem coisas que quero que façam, mas posso influenciá-las. E essa menina, Sofia, foi influenciada por mim. Eu assumo a culpa. Mas, em minha defesa, a ideia parecia bastante aceitável na mente sonhadora de menina de 16 anos dela. Eu a ceguei, mesmo sem querer. Juntara a mesada durante meses. Arrumara algumas poucas roupas dentro de uma mala pequena, e estava pronta para assumir as responsabilidades como adulta e viveria com o namorado.<br />
<br />
Mesmo para mim soa um plano burro e precipitado. Desculpem a grosseria, mas é como vejo. E é claro que deu errado. Por motivos como esses, por pessoas que confiam tão cegamente em mim que perdem a razão, é que perco também minha credibilidade. Não sou um sentimento vão, e grande parte das vezes sou racional também, ao contrário do que sei que imaginam por aí.<br />
<br />
Ao menos tudo acabou bem, mesmo que a fugitiva não seja capaz de entender. Ainda é jovem demais para entender minhas motivações, e onde me encontrar. Ela acha que estou apenas onde seu amado está, assim como muitas menininhas apaixonadas por aí. É uma pena que não posso me comunicar diretamente com elas e lhes contar que não é assim que funciona. Eu estou em todo lugar, assim como o ar que ela respira, pois sou como a terra e o céu.<br />
<br />
Ela vai entender um dia, eu sei disso. Enquanto não entende, acho que posso contar com a sensatez de seus pais para mantê-la em casa, segura e a salvo. E, no final das contas, ela conseguiu o que queria também. Queria estar onde o amor está, e embora ela esteja longe de onde sua paixão está, eu estou aqui. Quando a raiva passar, talvez ela perceba isso por si mesma, e se sinta em casa novamente.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-76676800932827784442013-12-29T11:33:00.000-08:002014-01-05T14:12:08.630-08:00God save the Queen<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A escova desliza pela cascata preta que são seus cabelos. O batom vermelho retoca uma imperfeição inexistente nos lábios fartos. O porte de princesa não lhe diz respeito, mas poderia se passar por uma rainha facilmente. O luxo é parte de você. E o luxo jamais se mistura com o lixo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E enquanto eu te escrevo essas palavras, não me preocupo com o quão indelicado eu sou. Não me importo com possíveis erros de gramática ou palavras com duplo sentido. Nada me preocupa pois sei que o que mais te enoja não é o que lhe digo indiretamente, mas o simples fato de que, apesar de viver em seu próprio mundo onde pessoas são súditos e sua pessoa é a maior autoridade, nada deveria manchar sua imaculada perfeição. E é claro que tocar em um papel de carta antes tocado por um simples plebeu te torna tão suja quanto eu sou.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez eu esteja errado. Talvez você não leia com uma expressão de nojo e o estômago revirado. Talvez nem mesmo demonstre algum abalo em seu coração frio como gelo. Talvez nem mesmo leia até o fim. Isso me dá a liberdade de escrever como bem entender, não é? É o que eu farei, de qualquer jeito.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Diga-me, qual o propósito de agir assim? Sempre vi a pobreza de espírito como o pior dos pecados, mas nunca havia percebido como o excesso também é nocivo à saúde espiritual. Nunca havia percebido, mas também nunca havia notado teu jeito de imperatriz de Lugar Nenhum. Diga-me, imperatriz, qual seu propósito? Faz tudo como se alguém te contemplasse, pequena Narcisa que jamais amou. Sei que jamais amou, pois se amasse, não faria o que faz. Não ama nem a si mesma. Ora essa, se ao menos conseguisse admirar seu próprio reflexo sem perceber algum defeito a ser consertado, poderia perceber a beleza da imperfeição.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Apenas pare. Pare por alguns poucos minutos, e olhe ao redor. Então, diga-me mais uma vez, Vossa Majestade, como andam seus propósitos? Vale a pena satisfazer seus caprichos dignos de uma criança que cresceu cedo demais? Olhe ao redor e repare não só no que você perde de nós, súditos de uma rainha jamais coroada, mas também no que você perde de si mesma. Vossa Majestade possui alguma qualidade? Se possui, por favor, deixe-me vê-la! Pois assim, a olho nu, não posso enxergar nenhuma. Apenas o excesso de luxúria, que lhe cai melhor como pecado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não acredito que tudo tenha sido lido até aqui. Se foi, agradeço o tempo que me foi dedicado, e peço desculpas pelo incômodo provocado. Afinal de contas, sei que plebe e realeza não se misturam. Talvez algum dia as coisas mudem, mas não começará por mim. Aproveite a chance enquanto pode, e aproveite seus privilégios enquanto lhe são oferecidos, ainda que pela sua própria mente sedenta de poder e atenção.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Deus salve a rainha.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-28774390845432331932013-12-23T17:53:00.004-08:002013-12-23T17:53:53.356-08:00A Origem da Sereia<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://fbcdn-sphotos-h-a.akamaihd.net/hphotos-ak-prn2/v/1491205_443883402379037_1120604735_n.jpg?oh=397706f0037a43ef5af3ffc79a171e55&oe=52BB5EFD&__gda__=1388005161_74f2c99941bed952b97c880f9a1040d2" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="98" src="https://fbcdn-sphotos-h-a.akamaihd.net/hphotos-ak-prn2/v/1491205_443883402379037_1120604735_n.jpg?oh=397706f0037a43ef5af3ffc79a171e55&oe=52BB5EFD&__gda__=1388005161_74f2c99941bed952b97c880f9a1040d2" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
<div style="text-align: center;">
(com participação de <b>M</b>. Deméter.)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O barulho na superfície continuava com o mesmo nível de irritação que sempre ocorria naquela época. Um zunzunzum sem fim que apenas humanos eram capazes de fazer e que causava uma desordem mesmo lá no início das profundezas do mar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Jullie sabia muito bem que não deveria se aproximar daquela raça barulhenta e porcalhona, mas o barulho era tanto que a vontade de deixar-se roçar nas pernas de um ou nos pés de outro era praticamente incontrolável. Ora, ela tinha o direito de ferir ao menos aqueles que ousavam ir fundo demais e importunar seu habitat natural. Aquela era sua casa, não deles.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ela entendia sem problemas que eles usassem o mar como fonte de diversão durante os dias de férias. Mas ora essa, era noite de Natal! Para os humanos, isso queria dizer ficar em suas casas, com suas famílias, não? Pois então, que fizessem isso e deixassem tanto ela como os outros seres marinhos em paz!</div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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Stella olhava toda a cena com reprovação. Não concordava com a ação dos humanos, mas não concordava com Jullie também. Os humanos eram perigosos. O melhor a fazer seria deixá-los de lado e ir mais fundo no oceano, onde eles não seriam capazes de chegar, e ficar lá até que eles fossem embora.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E era exatamente isso que ela tentava fazer, afinal, era uma estrela-do-mar e o que estrelas-do-mar podem contra os destruidores humanos da natureza? Ela poderia ser pisoteada, chutada, arremessada, ou ainda pior, poderia ficar presa em alguma daquelas coisas brancas que mais pareciam redes sem furos para peixes.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda assim, como poderia ir para a segurança do calmo fundo do mar e deixar sua amiga lá? Jullie era uma água-viva e conseguia se defender, mas suas defesas também poderiam ser a causa de sua morte.</div>
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<br /></div>
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Ela ponderou durante um bom tempo. No geral, mantinha-se longe de humanos e o mais longe possível da superfície. Se permanecesse muito tempo longe da água, morreria, e sabia disso. Mas Jullie não parecia com tanto medo, ou ao menos pensava que o risco valia à pena.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por fim, decidiu se aproximar, apenas o suficiente. Convenceria Jullie a voltar consigo para o fundo do mar, onde esperariam até que tudo se acalmasse. Mas nada se acalmou, e ela nem mesmo teve a chance de chegar perto.</div>
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<br /></div>
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O zunzunzum de antes foi incrementado pelo barulho da queda, e a primeira coisa que Stella conseguiu visualizar foi uma massa loira que acreditava se chamar cabelo. Depois vieram os braços e pernas cumpridos se debatendo de um lado para o outro e causando reviravolta no mar, impedindo o avanço da estrela.</div>
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<br /></div>
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A água-viva desapareceu de sua visão por alguns segundos, enquanto seus braços mantinham seu equilíbrio no agitar do mar, impedindo-a de se afastar muito ou virar de pernas pro ar.</div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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Jullie sentiu as ondas antes de ver a menina loira, mas isso não impediu que alguns dedos tocassem sua membrana por um instante, fazendo a humana se debater ainda mais. Por ela, a menina continuaria onde estava agora: abaixo da superfície, tentando desesperadamente subir e respirar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Humanos não costumavam se importar com as criaturas do mar que eles, por vezes, matavam ou tiravam de seu lar para criar em ambientes artificiais. Por que, então, criaturas marinhas deveriam se importar com humanos?</div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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Stella, mesmo que quisesse, não poderia levá-la para a superfície. Não tinha muito que pudesse fazer além de ficar ali e assisti-la se afogar. Entretanto, seu desejo era exatamente o contrário ao da água-viva, queria impedir que a humana se perdesse eternamente entre as correntes marítimas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez fosse exatamente por isso que ela era uma estrela inofensiva enquanto sua amiga era uma ardente água-viva, Jullie tinha o instinto predatório que Stella nunca teria, instinto esse que várias vezes já salvara sua vida, mas que várias outras a metera em grandes confusões.</div>
<div style="text-align: justify;">
Independente do que sua amiga pensasse, ela não deixaria que aquela menina morresse. Afinal, a garota não tinha culpa de pertencer à raça dos barulhentos quebradores de conchas.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Resolveu, então, avisar a Jullie o que resolvera fazer. Avisaria a eles. Era uma medida extrema, mas com ou sem o apoio da amiga sabia que era a única solução, não ficaria parada observando uma humana sofrer daquele jeito. Além do mais, aquilo já havia sido feito antes, qual o problema em fazer mais uma vez?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Concentrou-se em tentar se comunicar com Jullie. Não poderia avisar com palavras como os humanos faziam, é claro, era só uma estrela-do-mar, mas poderia avisá-la através de suas emoções, com uma espécie de imagem mental.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A resposta veio inicialmente em forma de desespero e inquietação, como esperado. A água-viva pouco se importava com vida e morte dos humanos. Mas mesmo ela aos poucos, com os argumentos apresentados por Stella, foi transmitindo um sentimento de compreensão e aceitação, afinal, do pouco que as duas ouviram falar deles, sabiam que salvavam apenas os merecedores de tal dádiva.</div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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A garota loira aos poucos ia afundando, algumas bolhas cada vez mais raras escapando por seus lábios. Após decidirem contatá-los, estrela e água-viva precisavam agir rapidamente.</div>
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<br /></div>
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Jullie se prontificou a trazê-los com toda a força de seus pensamentos e distanciou-se um pouco da menina balançado seu corpo o mais rápido que podia. Não era possível que ouvissem com toda aquela agitação que a humana proporcionava.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eles não demoraram muito. Se a garota podia ver alguma coisa debaixo d'água, então certamente achava que já estava perdendo o juízo. Tinham idades aparentemente diferentes, mas todos possuíam uma beleza incomparável. Desde as feições humanas extremamente belas até a ponta de suas barbatanas.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O grupo era composto por sereias e tritões, cada qual com escamas de cores diferentes, bem como seus cabelos e olhos. Eles avaliaram a situação por um momento, que parecia breve e ao mesmo tempo eterno. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O tempo da humana estava acabando. Por fim, um sentimento de compaixão e bondade espalhou-se, e foi como se isso fosse o suficiente para acalmar tudo ao redor de todos eles.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mesmo que a humana tivesse visto alguma coisa, já não importava mais. Logo ela deixaria sua humanidade para trás.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As sereias foram as primeiras no ritual, colocaram-se ao redor da garota quase inconsciente e, antes de darem as mãos, começaram a cantar. Os tritões seguiram os movimentos fazendo um circulo externo e mantendo os lábios fechados.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Stella e Jullie nunca tinham visto o processo antes e o canto as deixou maravilhadas. Não era como o som dos humanos. As vozes se propagavam na água com uma leveza aparentemente impossível e, apesar de não soarem completamente claras, a intenção era óbvia e palavras não eram necessárias.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os tritões, por sua vez, mantinham uma base acústica ainda mais abafada, o timbre grosso soando por trás dos lábios fechados, apenas pelo tremor de suas cordas vocais.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por fim, um dos tritões se aproximou, ficando no meio do círculo, junto com a garota loira. Não emitia qualquer tipo de som, mas seu olhar era concentrado. Ele fechou os olhos, e levantou a mão em direção a testa da menina. Tocou-a suavemente e da ponta de seus dedos saiu uma forte luz branca, que os envolveu.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nem Stella nem Jullie sabiam se o brilho poderia ser visto pelos humanos da superfície, mas ambas duvidavam que eles reparassem, se fosse visível, ou que conseguissem enxergar alguma coisa, uma vez que a luz era muito forte; elas mesmas mal conseguiam ver o que se passava lá.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aos poucos, o som do canto das sereias foi diminuindo, assim como o brilho. Quando tudo acabou, o oceano parecia estranhamente escuro. E, no centro da roda, não estava mais o tritão e a menina quase morta. Mas sim um tritão e uma sereia.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A ex-humana abriu os olhos voltando à consciência, soltou algumas bolhas de ar pela boca no que pareceu uma tosse ou quem sabe um sopro de vida preso à garganta.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os humanos continuavam com o zunzunzum irritante de sempre, mas nem todos eram os porcalhões barulhentos quebradores de conchas. Talvez, ao contrário do que Jullie e Stella pensavam, os humanos não fossem vilões por completos, alguns ainda valiam à pena salvar, e certamente seriam salvos.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Como aquela menina. Afinal, se ela fosse tudo aquilo, ela teria deixado de existir durante a transformação, pois ao contrário do que diz a lenda, sereias nunca são cruéis.</div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Texto escrito com a linda da M. Deméter, dona do <a href="http://omundodem.blogspot.com.br/">(my) Imaginary World</a>, quase uma irmã e que juntou nossos pseudônimos sem problemas! <3</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-48694921903179894232013-12-22T12:04:00.002-08:002013-12-23T17:54:11.446-08:00Imaginary enemy<br />
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">Então mandei alguns homens para a luta</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">E um voltou no meio da noite</span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;">Disse: <i>"você viu meu inimigo?"</i></span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="color: #666666; font-size: x-small;"><i>"Ele se parecia comigo"</i></span></div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<br />
O choro de criança. A pele avermelhada. Mais um tapa. O medo nos olhos. O baque da realidade que até então lhe era desconhecida, ou assim ele queria que fosse. A pergunta se repetia em sua mente: “O que foi que eu fiz?”. A culpa que lhe tomava. O medo agora fora substituído pelo impulso e pela raiva, e o amor jurado há tempos já fora esquecido. O fruto desse amor com o rosto manchado depois das lágrimas, a confusão tomando sua mente. Teclas pressionadas no telefone, e um pedido de desculpas abafado por juras de vingança. Como aquilo tudo começou? Ele não tinha ideia. Ninguém tinha. Apenas teve um início, e estava prestes a ter um fim. A luta fora perdida, e perdido ele também ficaria, pois bem no fundo ele sabia qual era seu centro, quem lhe fazia feliz. Uma pena que a felicidade não fora o suficiente para que se mantivesse estável, e a instabilidade o levou para a insanidade. A raiva voltou a lhe tomar a alma, e ele teria quebrado qualquer coisa, se isso fizesse com que fosse possível voltar no tempo. Uma janela, um prato, um copo, um espelho. Não havia nada que pudesse quebrar, e desconfiava que se tivesse um espelho por perto, não ousaria se aproximar dele. Não seria capaz de ver sua própria imagem, porque não sabia o que veria. O reflexo de quem era, do animal que havia se transformado ou a imagem de quem realmente era, do homem feliz de antigamente, não sabia quem lhe olharia de volta. Com as últimas forças que possuía, se forçou a recuar, e agora era ele quem chorava. Tudo havia acabado, enfim. Não sabia mais quem era. Sabia apenas que a guerra teve seu final. Jamais seria chamado de pai de novo, porque jamais mereceu. Jamais precisaria usar a aliança mais uma vez, porque era tudo sobre respeito, e respeito ele jamais teve. E jamais seria capaz de olhar seu reflexo de novo, pois para onde iria todos eram como ele; todos haviam sido presos em jaulas por serem monstros. Mas ele conseguiu constatar, antes de se transformar completamente em um animal, que todos lá eram como ele: soldados feridos em batalhas, soldados mortos em campo, soldados que atiraram em si mesmos. Inimigos pessoais uns dos outros.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-40415817762365412462013-12-13T16:49:00.000-08:002014-02-08T17:01:41.378-08:00Ao som de Ícaro<br />
Não nascera para aquilo<br />
Viver presa era seu terror<br />
Estava cada vez mais cansada<br />
E acostumara-se com o rancor<br />
<br />
A ideia surgiu<br />
Do desespero que sentia<br />
E ao som de Ícaro,<br />
Achou que nunca mais sofreria<br />
<br />
Com a música em seus ouvidos,<br />
Ela decidiu voar<br />
Dentro de pouco tempo<br />
Estaria sobrevoando o mar<br />
<br />
Longe demais de Apolo,<br />
Percebeu que a música era aviso<br />
Com o chão se aproximando,<br />
Apagou-se o sorriso<br />
<br />
Muitos a avisaram<br />
Ela apenas riu<br />
Agora era tarde<br />
E o castigo a atingiu<br />
<br />
Aquilo que lhe agradava<br />
Agora era importuno<br />
Não poderia mais se arrepender:<br />
Foi abraçada por Netuno.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-32236033802751819932013-12-11T09:39:00.002-08:002013-12-23T17:54:29.141-08:00Relicário da alma<br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para aquele que sempre fará parte de mim</div>
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Com uma pequena pétala de rosa branca, desejo-te toda a paz do mundo. Com um pingente de floco de neve, espero que toda a tristeza vá embora. Com uma fitinha anil, espero que jamais me esqueça. Com um pedacinho de corrente, espero que saiba que “nós” vai durar muito tempo. Com a luz da Lua, preencho o resto do espaço, com a clareza que gostaria de ter na mente e no coração. Com toda a minha esperança, espero que tudo dê certo. E com uma respiração funda, espero não me arrepender de ter lhe dado metade de mim, separada em pedacinhos pequenos. Sei que em breve me arrependerei, mas talvez tudo acabe bem; talvez você saiba quem sou, e então terei mais vergonha do que nunca de olhar em seu rosto. Mas talvez você apenas guarde como um singelo presente anônimo. Quem sabe você não seja um pouco mais romântico do que eu pensei? Talvez (mas apenas um talvez, que soa mais como esperança, no fundo da minha mente) este pequeno relicário te mostre mais sentimentos do que eu jamais seria capaz de dizer com palavras. Talvez te mostre que sou uma pessoa real. E quem sabe você não me presenteie com um relicário, também, ainda que você já seja parte de mim. Mais do que parece. Mais do que eu demonstro. Mais do que nunca.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<br />
<div style="text-align: right;">
<i>Daquela que sempre terá um pouco de ti.</i></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-72162900266098619982013-12-09T15:26:00.000-08:002013-12-09T15:26:42.109-08:00Sobre nomes e hábitosO sininho tocou quando a porta foi aberta, e o vento frio de inverno cortou todos que estavam dentro da pequena biblioteca. Já estava demorando.<br />
<br />
— Sabia que te encontraria aqui.<br />
— Alguns hábitos nunca mudam.<br />
<br />
Kallisto já estava começando a estranhar a demora dele em aparecer. Era quase tão pontual quanto ela. Ainda assim, não levantou o olhar do livro aberto em seu colo quando respondeu.<br />
<br />
— Como consegue observar as pessoas ao mesmo tempo em que lê?<br />
<br />
Ela finalmente olhou para ele.<br />
<br />
— Vejo que ainda não perdeu a mania de fazer perguntas.<br />
— Alguns hábitos nunca mudam.<br />
<br />
Permaneceram algum tempo em silêncio. Ela já havia parado de ler, mas mantinha o olhar baixo. Ele esperava pacientemente sua resposta.<br />
<br />
— Eu não observo ao mesmo tempo em que leio, mas para mim ambos não fazem muita diferença.<br />
<br />
Dessa vez, ele quem ficou quieto, absorvendo o que ouviu. Não tinha entendido tudo, mas já começava a compreender Kallisto, e sabia que quanto menos perguntasse, mais respostas teria.<br />
<br />
— Se não ler com atenção, não se entende um livro. — ela continuou. — E se não olhar bem, não se entende as pessoas. A diferença é que um livro é sempre o mesmo, enquanto as pessoas sempre mudam.<br />
— Soa mais interessante. — ele comentou, olhando para o nada. Ela apenas concordou com um aceno de cabeça.<br />
<br />
Um minuto se passou. Depois dois, e três.<br />
<br />
— Acho as pessoas bastante engraçadas. — Kallisto falou, quase que para si mesma.<br />
— Por que?<br />
— Todos dizem que sou muito sozinha, mas no fundo todos são mais isolados do que eu. Tão fechados em seu próprio mundo que não veem quem quer seu bem ou seu mal.<br />
<br />
Mais uma pausa. Era quase como se o tempo não passasse para eles.<br />
<br />
— Hoje mais cedo duas meninas saíram daqui, carregadas de livros de romance. Uma chorava. A outra, que a consolava, parecia sua amiga, mas meio deslocada. Pago quanto você quiser que o namorado da primeira menina a traiu com a garota que a consolava, sem ela saber.<br />
— Como você sabe?<br />
— Não sei. Não com certeza. Só vou percebendo os gestos e os olhares, as histórias crio eu mesma. Acho que para isso me servem os livros.<br />
— Não acredite tanto nas aparências. Elas funcionam mais como máscaras do que como espelhos.<br />
— O que quer dizer? — a pergunta foi seca e sem emoção, mas ele preferia ouvi-la como com a curiosidade de uma criança.<br />
— A história de que não devemos julgar um livro pela capa é verdadeira. Nunca achei que você pudesse falar tanto quanto fala em nossas conversas.<br />
— Porque normalmente eu não falaria.<br />
<br />
Ele riu suavemente. Ela não precisou fazer a pergunta em voz alta para que ele entendesse que estava sendo questionado e explicasse.<br />
<br />
— É engraçado. Um de seus hábitos mudou.<br />
<br />
Ela não riu. Muito pelo contrário, apenas ficou mais séria, mas ele não se importou; ela só não queria admitir que ele estava certo.<br />
<br />
— Ora vamos, não se irrite, não é algo ruim! — ele parou para pensar — Pelo menos eu espero que não. Tenho mudado alguns hábitos também...<br />
— Estou vendo. Não faz mais perguntas com frequência.<br />
<br />
Por um momento, ele achou que ela pudesse ter ficado com raiva da pequena brincadeira que havia feito e fosse voltar a trancar-se dentro de si mesma, como em uma caixa de vidro, mas o sarcasmo presente no tom de voz quando ela voltou a falar o fez relaxar. Por maior que fosse o escárnio presente na voz dela, enquanto ela falasse, ele estaria tranquilo. Sabia que devia se preocupar apenas caso ela se calasse.<br />
<br />
— Um pouco, sim... mas acho que isso talvez possa ser a convivência contigo. Minha mudança de hábito foi te conhecer.<br />
— Eu não acho que conhecer uma pessoa nova seja uma mudança de hábito.<br />
— Não. Mas mudar meus hábitos me permitiu conhecer alguém novo. Sabe, eu nunca havia entrado aqui antes de te conhecer. — ele confidenciou como quem conta um segredo.<br />
— E resolveu senta-se e conversar com uma completa estranha. Você é insano.<br />
<br />
Ele fingiu-se ultrajado com a observação. Estava se divertindo com a situação toda, mesmo que Kallisto mantivesse a expressão séria.<br />
<br />
— Eu disse que nunca tinha entrado aqui antes, não que desconhecia o lugar. Passei em frente algumas vezes, achei curioso que você viesse todos os dias.<br />
— Isso se chama perseguição, não curiosidade.<br />
<br />
Ele riu abertamente.<br />
<br />
— Isso se chama identificação. Você é tão normal quanto eu. Um pouco mais fechada, talvez, mas igual.<br />
<br />
<br />
<br />
Ela manteve-se quieta, pensando no que ouviu. Ele esperou alguns minutos, mas percebeu que ela não diria mais nada. Levantou-se e, ao ajeitar o sobretudo cinza-chumbo, disse apenas mais uma palavra.<br />
<br />
— Gregory.<br />
<br />
Ela olhou-o, intrigada.<br />
<br />
— Meu nome é Gregory. E eu não acho que um perseguidor diria como se chama para sua vítima.<br />
<br />
Ela aceitou o desafio subentendido com um sorriso discreto.<br />
<br />
— Kallisto. Mas lembre-se, vítimas são indefesas. Pessoas indefesas não dizem seus nomes assim tão fácil.<br />
<br />
Olharam-se por mais algum tempo, mas nada foi dito. Por fim, ele riu suavemente mais uma vez, dando meia-volta e saindo pela mesma porta pela qual entrara. Kallisto, por outro lado, não voltou a ler o livro, mas saiu pouco tempo depois. Costumava ficar até mais tarde, mas não lhe faria mal quebrar um hábito uma vez ou outra.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-69960373336282128852013-11-30T18:30:00.001-08:002014-02-08T17:02:05.220-08:00Vagarosa<div>
<br /></div>
<div>
Vagarosa</div>
<div>
Vaga, a rosa</div>
<div>
Ora, vá!</div>
<div>
Vá agora!</div>
<div>
Vá embora, Rosa.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-4353190764850876982013-09-04T14:27:00.000-07:002014-02-08T17:02:27.905-08:00Cores do Vento<br />
Pra começar<br />
Tente me ouvir<br />
Sei que não falo bem<br />
Mas é tudo por ti<br />
Não sou pintora<br />
Nem quero ser artista<br />
Mas saiba que só você<br />
Quem me inspira<br />
Com a cor dos seus olhos,<br />
Pintarei o céu<br />
Campos de trigo sairão<br />
Dos teus cabelos cor de mel<br />
O que eu temia acontece<br />
E não sei continuar, então<br />
Mas eu juro, eu tento<br />
Sei que um dia vou conseguir<br />
E com as cores do vento<br />
Espero chegar<br />
Mais perto de ti.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
leia mais aqui!<br />
<a href="http://universoauxiliar.blogspot.com.br/2013/09/true-colors.html">True Colors</a><br />
<a href="http://pontosdevirgulas.blogspot.com.br/2013/09/luz-de-estrelas.html">Luz de Estrelas</a><br />
<a href="http://pontosdevirgulas.blogspot.com.br/2013/08/po-de-estrela.html">Pó de Estrela</a><br />
<a href="http://zenitsaphyr.blogspot.pt/2013/08/as-estrelas-cadentes.html">As Estrelas Cadentes</a><br />
<a href="http://universoauxiliar.blogspot.com.br/2013/09/retornodesaturno.html">O Retorno de Saturno</a><br />
<a href="http://zenitsaphyr.blogspot.pt/2013/08/perigeu.html">Perigeu</a><br />
<a href="http://thegothicautonomous.blogspot.com.br/2013/03/memories.html?zx=a20db40fe5531b52">Memories</a>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7625556535118411053.post-18484065438591925922013-07-24T12:58:00.000-07:002013-07-24T12:58:15.630-07:00Sobre cores e almas<br />
<br />
— Não se cansa de vir aqui todos os dias?<br />
<br />
A pergunta a pegou desprevenida, e Kallisto levantou os olhos do livro que lia, escondendo sua surpresa. Quase nunca falavam com ela, bem como ela quase nunca falava com os outros.<br />
<br />
— As pessoas não se cansam daquilo que faz realmente bem.<br />
— Mas você vem aqui todos os dias. Como pode sentir-se tão bem em um lugar tão simples?<br />
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Desta vez, Kallisto fechou o livro. Já havia perdido a concentração para lê-lo, de qualquer forma. Não sabia com quem estava falando, mas jamais sentira medo de estranhos. Eram pessoas como todas as outras, e ela mesma era estranha para muitos.<br />
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— Acho que por ser um lugar tão simples, se torna ignorado pelas pessoas. Sou ignorada pela maioria, também, embora não me importe com isso. Soa familiar para mim. Como um lar.<br />
— Definiria seu lar como uma biblioteca antiga e pequena? — O estranho era tão jovem quanto ela, mas a curiosidade em seus grandes olhos azuis era genuína como a de uma criança.<br />
Kallisto esperou que ele pudesse interpretar olhares tão bem quanto ela. Se fizesse esforço, talvez pudesse responder a pergunta, mas não queria. Era o tipo de coisa que não se diz em voz alta, só se sente. Gostava de pessoas assim, que pudessem ler pensamentos através de olhares. Pessoas assim, pessoas como ela, observavam mais do que falavam. Sentiam mais do que agiam, e por mais que isso a irritasse de vez em quando, era bom. Ela gostava de avaliar as pessoas assim, pelo que observava. Era assim que descobria quando alguém era digno de atenção. Era assim que aprendia, aos pouquinhos, novas formas de pensamento, e era assim também que aprendia mais sobre si mesma. Já havia descoberto várias coisas com essa técnica. Mas ainda não sabia por que queria tanto que ele fosse como ela.<br />
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— Sempre usa cores tão escuras? — Ele perguntou de novo, mas desta vez não olhava para os olhos da moça a sua frente, mas sim para suas roupas.<br />
— Sempre faz tantas perguntas? — Ela lhe respondeu, e uma pontinha de raiva queimou em sua voz, tentando esconder a vergonha presente em seu rosto.<br />
— Apenas quando a pessoa me interessa. Mas ainda não respondeu à última pergunta que fiz.<br />
— Sempre. Cores escuras definem quem eu sou. Fazem parte de mim.<br />
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O rapaz sentou-se no lugar vago ao lado da menina no pequeno sofá avermelhado, em silêncio. Pesava, mentalmente, a revelação que ouviu. Quando falou, sua voz era arrastada, e tão calma e baixa que Kallisto poderia dizer que ele mesmo mal percebia que estava falando.<br />
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— Talvez não sejam parte de você. Talvez você seja parte delas. Talvez você não queira mudar. — Ela considerou a avaliação dele por um momento, mas logo a descartou, balançando a cabeça.<br />
— Não sei para o que poderia mudar. Estão em minha alma, apenas.<br />
— Sua alma não é escura como o cinza do seu casaco, ou como o azul de seu gorro. — Ela esperava que ele falasse algo do tipo, mas em forma de pergunta. Era estranho como conseguia entender a forma de pensar de quem quisesse apenas observando, mas não conseguia entender o jovem do seu lado, mesmo depois de tanta conversa. Ela não conseguia nem mesmo se lembrar da última vez que conversara por tanto tempo com alguém.<br />
— Então talvez ela seja apagada como essa biblioteca.<br />
— Não acho que ela seja apagada ou escura. Acho só que ela é fria, como o inverno.<br />
— O que sabe sobre a alma das pessoas? — Dessa vez, a indiferença costumeira na voz de Kallisto era maior, e sua voz soava quase tão fria quanto o inverno, mas isso não o abalou.<br />
— Ah, não sei muito. Sei mesmo é sobre os olhos. O pouco que sei sobre almas, são os olhos que me contam.<br />
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Ela se recusava a fazer suas perguntas em alto e bom som. Ao mesmo tempo, queria testá-lo. Se ele entendia dos olhos das pessoas como ela entendia das almas, então que decodificasse seus pensamentos sozinho.<br />
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— Já ouviu dizer que os olhos são as janelas da alma? É verdade, se você souber olhar. Gosto de conversar com as pessoas olhando em seus olhos porque assim aprendo mais sobre elas do que com qualquer pergunta, apesar de tudo. As pessoas mostram um pedacinho de suas almas através dos olhos, e eu levo um pedacinho de suas almas comigo também, depois de conhecê-las. — Ele explicou. — Seus olhos são escuros, mas sua alma não.<br />
— Como tem tanta certeza? — Pela primeira vez em muito tempo, Kallisto não se importou em demonstrar vergonha.<br />
— Lembra-se de quando perguntei sobre você vir aqui todos os dias? Eu venho também.<br />
— Nunca te vi antes.<br />
— Porque eu aprendi a notar sem ser notado. Como você. Mas eu te notei, e você me notou agora. E agora eu também noto a pergunta em seus olhos, vê? Eu te notei porque você é como eu, e sei que sua alma não é escura como seus olhos e suas roupas porque a minha também não é.<br />
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Ela olhou fundo nos olhos azuis do desconhecido que, no momento, parecia conhecê-la há muitos anos. Ele subia no seu conceito aos poucos, e ela se divertia com a conversa, esperando apenas que seus olhos não a traíssem mais uma vez.<br />
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— Você é prepotente.<br />
— Você é sincera. Eu gosto disso. — Ele sorriu, e se levantou.<br />
— Aonde você vai?<br />
— Engraçado, agora não sou eu quem faço as perguntas. — Ele observou, com um traço de provocação na voz.<br />
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Kallisto não o respondeu. Permaneceram em silêncio por um momento.<br />
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— Eu preciso ir. Mas voltarei amanhã, e sei que você vai voltar também. Ninguém consegue ficar muito tempo longe do que chamam de lar.<br />
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Kallisto não o respondeu mais uma vez, pois sabia que não precisava falar alto para que ele entendesse. Ele se foi, mas mesmo depois disso ela não voltou a ler o livro. Ainda pensava no que disseram, e foi então que percebeu que nem ao menos sabia o nome do rapaz que lhe havia feito companhia nos últimos minutos. Mas não importava; ele estava certo. Ele voltaria amanhã, e ela também. E ambos sabiam mais um sobre o outro do que saberiam se tivessem começado a conversa normalmente, porque conversaram pelos olhos, e pelos olhos viram as almas. O pouco que ainda não sabiam poderiam aprender aos poucos. Iriam aprender uma hora ou outra. Mas seria aos pouquinhos, bem aos pouquinhos. Afinal, suas bocas não falariam mais do que seus olhos jamais.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/10149764422346516325noreply@blogger.com1